Sindhosba

A Corte iniciou o julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade nas quais se questiona a constitucionalidade do art. 19 da Medida Provisória 1.950-62/2000, na parte em que revoga os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992. A norma impugnada, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real, estabelece: “Art. 19. Revogam-se os §§ 1º e 2º do art. 947 do Código Civil, os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992, e o art. 14 da Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991.” Nos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 havia a seguinte previsão: “Art. 1º-A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei. § 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. § 2º As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho, serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observados, dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa.”
A ministra Cármen Lúcia (relatora) reconheceu a parcial perda de objeto das ações diretas e julgou improcedentes os pedidos remanescentes.
Verificou, inicialmente, não ter sido demonstrado, por meio de argumentação e fundamentação específica — conforme exigido pelo art. 3º da Lei 9.868/1999 e pela jurisprudência da Corte —, como a revogação dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 teria afrontado o disposto no art. 5º, XXXVII, da CF. Assim, não há como se conhecer da menção feita ao dispositivo constitucional paradigmático, ante a carência de argumentos e de fundamentação específica.
Além disso, reconheceu que, em virtude da conversão da Medida Provisória 1.950-62/2000 na Lei 10.192/2001, estaria prejudicada a análise sobre o atendimento dos pressupostos de admissibilidade daquela espécie legislativa. Segundo a relatora, o Congresso Nacional deu a última palavra quanto à conveniência e oportunidade do ato, bem como quanto ao atendimento dos interesses e valores da sociedade. Nesses termos, a conversão da medida provisória em lei significa a absorção de seu conteúdo, que, segundo o Legislativo, dotou-se de mérito suficiente para se tornar uma nova lei, conforme entendimento jurisprudencial (ADI 1.721/DF, DJU de 29.6.2007).
Quanto à alegação de descumprimento dos incisos VI e XXVI do art. 7º da CF, a ministra rememorou que a Corte, ao indeferir a medida cautelar requerida na ADI 2.081 MC/DF (DJU de 6.12.2002), com objeto similar ao destas ações diretas, reconheceu o caráter infraconstitucional da controvérsia surgida pela impugnação de medida provisória que se limita a revogar norma de legislação ordinária.

Consignou, conforme manifestação apresentada pela AGU, que somente seria possível afirmar a inconstitucionalidade da norma revogadora se, cumulativamente, a norma constitucional invocada como parâmetro de controle de constitucionalidade carecesse de eficácia plena; a norma revogada efetivamente consubstanciasse regulamentação da norma constitucional invocada; a revogação implicasse a eliminação total de regulamentação constitucional de modo a comprometer, em absoluto, a sua mínima eficácia, o que não ocorreria se com a revogação passasse a operar disciplina diversa ou se a revogação fosse acompanhada da adoção de disciplina distinta da matéria em verdadeira substituição ou alteração da conformação do instituto; ou, ainda, se a norma revogada oferecesse a exata, específica e exclusiva disciplina reclamada pelo texto constitucional, o que implicaria que a nova disciplina da matéria seria contrária ao texto constitucional.
Também ressaltou não prevalecer o argumento de terem sido excluídos direitos dos trabalhadores adquiridos em pactos coletivos. Para a relatora, permanecem hígidas no ordenamento jurídico brasileiro as normas constitucionais assecuratórias do direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em contrário em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, da CF/1988), e do reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho como instrumentos válidos e plenamente eficazes para a criação de obrigações entre as partes contratantes (art. 7º, XXVI, da CF).
Asseverou, ademais, que as normas postas nos incisos VI e XXVI do art. 7º não são de eficácia limitada, cuja aplicação efetiva e positiva depende da atividade de órgãos governamentais, especificamente do legislador ordinário. São institutos que fixam princípios norteadores das relações empregatícias e nessa condição vinculam, a um só tempo, os empregadores, os empregados, os órgãos de representação coletiva e o próprio legislador nacional, que poderá atuar com o fim de aprimorar as garantias e os institutos nelas reconhecidos, nada mais que isso. Nessa medida, a revogação das normas dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 não causa ruptura do princípio da irredutibilidade dos salários dos trabalhadores, nem impede que eventuais reduções possam ser objeto de convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, da CF), tampouco diminui a importância das convenções e dos acordos coletivos de trabalho como fonte autônoma do direito do trabalho (art. 7º, XXVI, da CF).
Assentou que a principal razão do questionamento apresentado na presente ação direta decorre da suposta revogação do “anteparo natural às pressões negociais patronais excluindo os trabalhadores de direitos em pactos coletivos”. Esse entendimento resulta da presunção de que seria exigida pela Constituição a ultra-atividade das convenções e dos acordos coletivos, ou seja, sua aplicação para além de seu prazo de vigência e até que viesse a ser revogada por instrumento congênere. Tal presunção, no entanto, não encontra uniformidade na doutrina ou na jurisprudência. Conforme evidenciado pela AGU, a controvérsia exclusivamente doutrinária relativa à ultra-atividade das convenções não assume status constitucional, nem indica uma flagrante contrariedade à Constituição.
Ponderou, por fim, que os incisos VI e XXVI do art. 7º da CF não disciplinam a vigência e a eficácia das convenções e dos acordos coletivos de trabalho. A conformação desses institutos é de competência do legislador ordinário, que deverá, à luz das demais normas constitucionais, eleger as políticas legislativas capazes de viabilizar a concretização dos direitos dos trabalhadores.

O ministro Edson Fachin, ao divergir da relatora, julgou procedentes os pedidos formulados nas ações diretas, declarando a inconstitucionalidade do art. 18 da Lei 10.192/2001. Observou que a Corte, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1967 e da Emenda Constitucional 1/1969, reconheceu expressamente a ultra-atividade da norma coletiva. Após, já sob a égide da Constituição de 1988, O Supremo Tribunal Federal adotou entendimento no sentido de que a questão não alcançava estatura constitucional, o que permite concluir, de forma implícita, que prevaleceria a interpretação atribuída pela Justiça especializada. Afirmou, ainda, que a Lei 8.542/1992 é mais adequada ao contexto constitucional de 1988, do que a medida provisória de 1995, convertida em lei em 2001. Pontuou, por fim, que trazer à vigência normas que deixam expressamente consignado, no ordenamento jurídico positivo infraconstitucional brasileiro, aquilo que, por força suficiente e autônoma de densidade normativa, está previsto no inciso XXVI do art. 7º e no § 2º do art. 114 da CF, constitui-se num dever de coerência desta Suprema Corte com sua missão de guardiã da Constituição.
O ministro Roberto Barroso, por sua vez, acompanhou a relatora. Ressaltou o caráter infraconstitucional da controvérsia. Destacou, ademais, que a cláusula de ultra-atividade desfavorece o empregado, na medida em que pode desestimular o reconhecimento de vantagens temporárias em acordos e convenções coletivas pelos empregadores.
Para o ministro Teori Zavascki, que também acompanhou a relatora, não se pode afirmar que todas as cláusulas de um acordo ou convenção coletiva têm ultra-atividade necessária. Essa conclusão, em vez de prestigiar a força desses acordos ou dessas convenções, na verdade, opera em sentido oposto, porque limita ou elimina a possibilidade de se estabelecerem cláusulas que digam respeito a situações de caráter efêmero ou temporário. Ademais, a lei revogadora veio no âmbito de um plano econômico e, ao que tudo indica, visou a ajustar as convenções coletivas então vigentes a um novo regime salarial e de correção monetária estabelecida no Plano Real. O ministro rememorou, ainda, não haver direito adquirido a regime jurídico.
O ministro Marco Aurélio, em conformidade com a relatora, julgou improcedentes os pedidos formulados. Consignou, em suma, que a ultra-atividade das convenções e acordos coletivos não está assegurada na Constituição Federal.
Em seguida, a ministra Rosa Weber pediu vista dos autos.

 

Fonte: STF