Dois aspectos chamam a atenção na postura sindical na atualidade: a transformação das relações de trabalho e a crise econômica que têm colocado em risco a permanência de empregos.
A transformação das relações de trabalho tem produzido maior distanciamento entre trabalhadores e sindicatos, pois o discurso protecionista e padronizado de outrora não se adapta mais às condições dos locais de trabalho: as convenções coletivas de trabalho têm efeito prático reduzido e as notícias colhidas revelam adaptações de preservação de emprego.
As relações trabalhistas se transformaram desde o simbólico 1º de maio de 1886, marcado pela luta de trabalhadores por melhores condições de trabalho, em especial pelo limite de oito horas diárias e que culminou na tragédia de Chicago, com seus líderes condenados à forca e executados no dia 11 de novembro.
A Carta Fundamental, embora tenha acenado pela ruptura da organização sindical do passado, criou verdadeiro monopólio
E a questão sindical? Estão os sindicatos livres e independentes? O modo pelo qual os sindicatos atuavam se transformou e souberam eles se adaptar para enfrentar a nova dinâmica da economia?
Os sindicatos, formado pela solidariedade do grupo de interesse, representam para os trabalhadores o instrumento de equilíbrio de forças capaz de avançar além da lei e de modo a trazer melhores condições sociais e de trabalho.
A Constituição Federal de 1988 valorizou os sindicatos de forma absoluta, colocando-o como protagonista de evolução dos interesses daqueles que representa por meio de negociações coletivas. Talvez esta zona de conforto constitucional tenha se tornado a grande vilã do sindicalismo.
A Carta Fundamental, embora tenha acenado pela ruptura da organização sindical do passado, criou verdadeiro monopólio de representação, preservando os interesses dos grupos até então constituídos e muito bem representados na época.
Mas negociar com ressonância efetiva entre os representados não é tarefa fácil! Trata-se de empreitada que exige dos líderes sindicais transformação de pensamento, a fim de que o sindicalismo evolua para patamares em que negociações coletivas estejam focadas na construção do futuro como condição essencial nos processos de negociação.
Parece que o sindicalismo brasileiro não adquiriu personalidade própria. São vários os fatores que revelam um desapego ao sindicato: a excessiva intervenção da legislação nos direitos trabalhistas e que impede a flexibilização e adequação para enfrentar crises; a pouca identificação de trabalhadores com “categoria profissional” cujo pressuposto de valorização baseia-se no comprometimento de interesse comum e solidário do grupo; a contribuição sindical compulsória rejeitada pela maioria dos trabalhadores porque ideologicamente os sindicatos atuais não surgiram, na grande maioria, de forma espontânea; e, ainda, posição política partidária dos sindicatos que traz profunda rejeição aos ideais de luta dos trabalhadores que podem simpatizar com o sindicato livre, mas não gostariam de ter vinculação partidária.
O sindicato é livre quando nasce do exercício da liberdade sindical entendida nos termos do artigo 2º, Convenção nº 87 da OIT, ainda não ratificada pelo Brasil, e que assegura aos trabalhadores o direito de constituir livremente organizações de sua livre escolha.
No Brasil, a organização sindical não pode ser considerada livre na sua criação porque manteve a unicidade sindical de entidades nascidas sob o manto do Estado e, os sindicatos criados a partir da Constituição Federal de 1988, se posicionam dentro da representação de categorias, observando antigo padrão.
Em homenagem à liberdade e democracia sindicais, haveria espaço constitucional para a criação de sindicatos em qualquer situação de representação e não apenas por categoria profissional. A imposição da unicidade sindical estaria limitada à negociação coletiva (art. 8º, II, da CF), sob pena de contrariar a própria Constituição que já no seu preâmbulo se propõe a assegurar o exercício dos direitos sociais dentre eles os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
O monopólio sindical traz pouca credibilidade na instituição, gerando insegurança jurídica nas negociações coletivas. Em razão disto, a autonomia da vontade coletiva, princípio de ordem constitucional (art. 7º, XXVI CF), é usualmente desprezada em nome de uma tutela de direitos fundamentais que na verdade se escora na falta de ressonância de efetiva representatividade sindical, com baixíssimo índice de sindicalização. Daí porque as relações trabalhistas sofrem grande resistência de flexibilização.
A questão sindical se coloca no dilema de enfrentamento da crise. Sem autonomia de atuação porque vinculados a partidos políticos, os sindicatos pouco podem fazer de oposição ao Estado, fato este visível pela omissão nos momentos críticos que envolvem os interesses sociais e dos trabalhadores.
Quanto à necessária e desejada independência, os sindicatos ainda se mantêm por meio de contribuição sindical obrigatória sem qualquer vínculo de adesão, funcionando como cartório monopolizador de representação de categoria (re)tomada pós Constituição Federal de 1988.
Há necessidade de encontrar o caminho de confronto criativo e produtivo pelas próprias convicções dos sindicatos, sem se alimentar de dádivas do Estado e nem mesmo da intervenção do Poder Judiciário para soluções que deveriam resultar de negociações coletivas, buscando uma forma autêntica de defesa de direitos e assumindo com responsabilidade o resultado de negociações.
Paulo Sérgio João é professor de direito trabalhista da PUC-SP e FGV
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Fonte : Valor Econômico