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Muitas empresas hoje dirão que proporcionar qualidade de vida aos funcionários faz parte da gestão de pessoas. Embora o conceito de ter uma vida de qualidade seja um tanto pessoal, na relação com o trabalho há alguns temas que acabam se repetindo, como um senso de pertencimento, oportunidades e segurança. Esses aspectos, entretanto, estão entre os mais desafiadores de serem construídos dentro de uma empresa atualmente.

Como gerar pertencimento quando uma mesma organização precisa reunir perfis tão diferentes, e como oferecer oportunidade e segurança quando a própria noção de emprego está erodindo? As perguntas estiveram na mente dos cerca de 600 executivos e especialistas que se reuniram em Londres, na semana passada, para a Quality of Life Conference.

Organizado do início ao fim pela empresa francesa Sodexo – até os chefs responsáveis pelas refeições eram parte do time da companhia, que tem ampla atuação na oferta de serviços de alimentação e benefícios – o evento teve palestras e discussões sobre o tema qualidade de vida em suas mais variadas vertentes, como na saúde, entre estudantes e na terceira idade.

A relação entre funcionários e empresas foi um dos principais assuntos abordados. Professor da Manchester Business School e presidente do conselho da CIPD, entidade que reúne profissionais de RH no Reino Unido, Cary Cooper é especialista em saúde organizacional e defende o impacto financeiro da promoção de bem-estar e qualidade de vida nas empresas.

Ele acha, no entanto, que a visão mais comum adotada pelas empresas ainda se limita a aspectos superficiais. “Falar de bem-estar está na moda, mas bem-estar não significa dar maçãs para os funcionários, pagar sua academia e ter mesas de pingue-pongue no escritório. Bem-estar significa criar a cultura certa onde as pessoas sintam que são valorizadas, que a empresa confia nelas e que podem trabalhar com flexibilidade quando isso é possível”, diz.

Ao falar sobre programas instituídos pela Suécia para mudar o foco da saúde pública do tratamento para a prevenção, o primeiro ministrodo país entre 2006 e 2014, Frederik Reinfeldt, destacou como foi importante que as conversas sobre qualidade de vida olhassem a rotina das pessoas de forma integrada.

“A maioria das nossas discussões de saúde são sobre o que fazemos no nosso tempo livre”, explica. Segundo ele, campanhas de vacinação obrigatória para crianças tiveram como consequência aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo. “Para que a prevenção funcione, ela também precisa incluir a vida no trabalho.”

Na visão Cooper, parte disso está em treinar os gestores para terem habilidades interpessoais em todos os níveis da empresa, uma falha da maioria das companhias que se torna mais visível em crises econômicas. “O problema que o Brasil enfrenta agora, que a Europa enfrentou por oito anos, é que as pessoas não conseguem se mover, então elas se sentem presas aos seus empregos, inseguras e em um ambiente que não é muito agradável. Elas trabalham muito mas produzem pouco”, diz Cooper. Opinião ecoada por Jane Griffiths, head global da farmacêutica Actelion, que diz que a qualidade de vida no trabalho deve ser traduzida em qualidade de liderança.”A maioria das pessoas pensam em deixar seus trabalhos porque não se dão bem com seus chefes”, diz.

 

No Reino Unido, a economia melhorou desde a recessão, mas a retomada do emprego foi marcada por vagas temporárias, em meio período ou para profissionais autônomos. “O nível de emprego melhorou, mas o emprego agora é intrinsecamente inseguro”, diz Cooper. Na sua opinião, as gerações mais novas terão mais facilidade para se adaptar a esse contexto, mas essas mesmas preocupações foram escolhidas pela jovem dinamarquesa Sissel Hansen como o desafio para a qualidade de vida que mais a preocupa hoje.

Sissel, que começou a empreender aos 17 anos, viu seus negócios falirem e hoje, aos 25, tem uma empresa de disseminação de informações sobre empreendedorismo em Berlim.Ela acredita que os sistemas precisam mudar, e percebe mais pessoas em busca de flexibilidade, de abrir o próprio negócio, de achar mais propósito na vida e deixar um legado. Mas se preocupa que a resposta em grande parte foram contratos mais curtos, trabalho autônomo e a “gig economy”. “Isso é ótimo para a economia, mas pode não ser nada saudável para o indivíduo”, diz.

Aprender a atrair e reter jovens como Sissel é o grande desafio de Ritu Anand, vice-presidente sênior global de RH da Tata Consultancy Services, multinacional indiana de TI com quase 400 mil funcionários globalmente, em que 85% do quadro são jovens da geração Y, nascidos entre 1980 e meados de 1990. Em um painel na presença de outros consultores e profissionais de RH, a executiva revelou que os funcionários ficam, em média, 5 anos na companhia – e foi questionada por todos sobre qual o segredo do sucesso. Para ela, o caminho foi usar a análise de dados para quebrar mitos sobre os jovens e, principalmente, gastar tempo ouvindo aos funcionários.

“Eles querem ter impacto social, experiências globais, aprendizado constante e mentoring”, diz Ritu. Este ano, a empresa, que já substituiu as avaliações de desempenho por feedback constante, vai substituir a pesquisa de engajamento por uma que mede a felicidade dos funcionários. “Quando você dá as pessoas a oportunidade de aprender e melhorar sem um resultado esperado, elas confiam em você e percebem que você está interessado em garantir o sucesso delas, o que é o primeiro passo para a felicidade”, afirma.

 

Um dos fundadores do Sistema B, que reúne e certifica empresas que incluem o desenvolvimento social e sustentável no modelo de negócios, o argentino Pedro Tarak explica que a auditoria promovida nas empresas que se candidatam ao título inclui temas como o engajamento dos funcionários, igualdade de gênero, nível de participaçãon as decisões da companhia e a diferença entre a remuneração da base e dos altos executivos. “A geração Y quer uma nova genética de negócio”, diz.

São questões que acabam impactando a capacidade de a empresa construir confiança entre os funcionários – seja qual for a idade deles. Algo que Frances Frei, ex-professora da Harvard Business School que foi contratada pelo Uber como vice-presidente sênior de liderança e estratégia após uma série de escândalos envolvendo os executivos da empresa, entende bem. Na companhia, ela espera reconstruir essa relação de confiança com conversas e aulas – em muitos casos, virtuais – que ela dará aos 15 mil funcionários espalhados pelo mundo. Mais da metade já se inscreveu.

Para a especialista, a confiança só é conquistada quando alguém entende a lógica, identifica a autenticidade e percebe que há empatia naquele que a busca. Caminho mais complexo em ambientes com diversidade, onde manter um espaço que inclui a autenticidade de cada um é, em si, um desafio. “O engajamento não é um ato homogêneo”, diz.

Fonte: Valor, 26/10/2017