A crise econômica colocou em cheque problemas estruturais do setor de saúde, tornando mais evidente a necessidade de uma gestão mais eficiente de toda a cadeia de atendimento, serviços e produtos médico-hospitalares. Ineficiências antes encobertas pelo crescimento de emprego e renda da população hoje se mostram insustentáveis ante a alta taxa de desemprego.
Entre junho de 2015 e junho de 2016, um total de 1,6 milhão de pessoas cancelaram seus planos de saúde. Em 2016, deve haver nova queda, de 566 mil pessoas, para um total de 49,2 milhões de associados, conforme estimativa da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Já a inflação do setor, que atingiu 19,3% em 2015, deve alcançar 20% neste ano, segundo projeções. Sem poder repassar a alta de custos, os agentes procuram cortar gastos, reduzir desperdícios e utilizar de forma mais eficiente os recursos disponíveis.
“A crise trouxe mais problemas”, diz Francisco Balestrin, presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). Para os hospitais, o principal reflexo foi a perda de margem operacional. Em 2015, a receita líquida registrou queda real de 3,3%, enquanto as despesas tiveram crescimento real de 2%, segundo levantamento da Anahp. Entre os fatores que elevam os custos dos hospitais estão investimentos em tecnologia e despesas com manutenção de equipamentos e TI. Para reduzir desperdícios e aumentar a eficiência operacional, os hospitais estão investindo em qualidade assistencial e seguindo modelos de certificação.
Com a nova legislação que permite capital estrangeiro em hospitais, clínicas e outras empresas de assistência à saúde, cresceu o interesse de grupos internacionais pelo mercado brasileiro, o que tende a elevar os padrões de gestão. As principais companhias, segundo Enrico De Vettori, líder para o atendimento às empresas de Life Science e Healthcare da Deloitte, aguardam a depuração e maior consolidação do mercado, movimento já iniciado por fundos de investimentos. “Eles entram, dão um choque de gestão, aumentam o tamanho da empresa com fusões e aquisições e depois vendem para investidores estratégicos”, diz De Vettori. Foi o caso da entrada do fundo de private equity Carlyle e do fundo soberano de Cingapura GIC no capital do Rede D’Or, em 2015. O choque de gestão inclui práticas de governança, compliance, transparência e redução de riscos.
A inflação da saúde, medida pela Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCMH), do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), principal indicador de custos do setor e utilizado como referência pelo mercado de saúde suplementar, saltou de 7,6% para 19,3% entre 2010 e 2015. A alta da inflação médica, em níveis superiores aos da inflação geral, se deve a investimentos em tecnologia e ao envelhecimento da população, que aumenta a incidência de doenças crônicas. Neste ano, de acordo com a consultoria Mercer Marsh, os custos estão sendo pressionados também por fatores como a inclusão de 21 novos procedimentos no rol de atendimentos obrigatórios por parte dos planos de saúde, aumento da procura por exames rápidos para detecção de dengue, febre chikungunya e zika vírus, e maior utilização dos convênios. “Em um ambiente recessivo, há aumento da utilização do plano de saúde, tanto pelos demitidos, que têm direito a uma extensão de prazo, quanto pelos que estão na lista de demissão e pelos que ficam, pela sobrecarga de trabalho”, explica Francisco Bruno, consultor da Mercer Marsh.
Para Carlos Goulart, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), há espaço para melhorar a eficiência do setor. “A gestão está no foco de todas as organizações, porque os recursos financeiros estão cada vez mais limitados”, afirma. O consumo aparente da indústria de produtos para saúde recuou 15% no primeiro trimestre, ante igual período de 2015, e 10,7% em 12 meses. Já a produção caiu 11,2% no trimestre e 15,6% em 12 meses.
Envelhecimento da população, com maior incidência de doenças crônicas, alimenta a inflação médica
A necessidade de cortar custos intensificou também a discussão sobre um novo modelo de remuneração no sistema de saúde suplementar. Hoje, o sistema predominante é o “fee for service”, pelo qual os prestadores de serviço de saúde são pagos por procedimento, o que leva a uma ênfase maior no volume do serviço prestado. Esse sistema, segundo especialistas, estimula a realização de procedimentos desnecessários, elevando os custos, sem resultado significativo para o paciente.
A ideia é criar um modelo baseado em avaliação mais ampla do procedimento, incluindo a verificação do histórico do paciente. A Abimed começou um estudo sobre o novo modelo, que deverá se transformar em projetos-piloto, para serem desenvolvidos em parceria entre alguns hospitais e planos de saúde. “Precisamos demonstrar que a nova forma de remuneração vai melhorar a gestão, aumentar a eficiência e diminuir o desperdício, garantindo a sustentabilidade do setor”, diz Goulart.
A mudança do sistema de remuneração é defendida principalmente pelas operadoras de planos de saúde. Hoje, os gastos com saúde suplementar já constituem a segunda maior despesa das empresas brasileiras, depois da folha de pagamento, de acordo com Enrico De Vettori, da Deloitte. Com a recessão e uma inflação médica de 20%, muitas empresas têm dificuldade de renovar os planos dos funcionários. A saúde suplementar atende cerca de 25% dos brasileiros e 80% dos planos são corporativos. Entre 2012 e 2015, o custo médio dos planos por funcionário aumentou 42,17%, para R$ 225,23, segundo pesquisa da Mercer Marsh, feita em 2015 com 513 empresas.
Entre as saídas discutidas pelo setor estão o compartilhamento dos gastos, pelo qual o associado paga uma parte do custo de procedimentos dos procedimentos, e um sistema de franquia, nos moldes do seguro de automóvel. Em contrapartida, a mensalidade do plano ficaria mais barata. Outras propostas das empresas de saúde suplementar são a criação de planos mais baratos, com rol menor de procedimentos e preços mais baixos, e de um plano de previdência específico, que seria ofertado pelas operadoras. A ideia, já objeto de um projeto de lei em tramitação no Senado, é o segurado pagar esse produto em paralelo ao plano de saúde, para garantir sua capacidade de custear o plano quando se aposentar.
Entre as saídas discutidas pelo setor está o compartilhamento dos gastos
“É preciso um grande concerto de todos os agentes do setor para buscar em conjunto alternativas para o associado manter o plano”, propõe José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde). Conforme dados da entidade, a receita de contraprestações do segmento atingiu R$ 38,1 bilhões em 2015, em comparação a uma despesa assistencial de R$ 30,8 bilhões. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mesmo com a redução 1 milhão de usuários em 2015, a despesa assistencial das operadoras com internações cresceu 10%, para R$ 51,97 bilhões, em função da alta dos insumos e da maior frequência de utilização dos convênios.
Paulo Furquim, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, aponta o modelo contratual vigente como causa da utilização excessiva dos planos de saúde, por transformá-los em produtos de consumo. “A cadeia da saúde suplementar é muito intricada de contratos, que geram uma série de custos e conflitos”, diz Furquim. Segundo a ANS, 30% dos exames não são sequer retirados. Furquim calcula que se esse desperdício caísse pra 5%, haveria economia anual de R$ 4 bilhões.
A judicialização é outro componente dos custos de planos de saúde. Segundo Furquim, há mais de 400 mil processos em andamento contra planos de saúde. Para Silvio Laban, coordenador do MBA executivo em gestão da saúde do Insper, uma das causas é a falta de clareza e melhor entendimento, de parte a parte, sobre o contrato. Regras confusas e linguagem excessivamente técnica dão margem a processos judiciais. “A judicialização chegou a uma proporção tal que começa a jogar contra a qualidade do sistema”, diz Laban.
Fonte: Valor Econômico