Sindhosba

RIO — Em até 12 meses, o planeta deverá se ver livre da poliomielite, doença que paralisou milhares, especialmente crianças, ao longo de séculos. A previsão é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que promove intensa campanha de vacinação nos dois últimos países do mundo que apresentam casos de transmissão do poliovírus: o Paquistão, com sete casos, e o Afeganistão, com dois. Zonas de conflito, esses lugares costumam ter a rotina de vacinação prejudicada. Se o objetivo da OMS for alcançado, a poliomielite será a segunda doença provocada por vírus a ser erradicada no mundo, depois da varíola, em 1980.

O Brasil já está há mais de 20 anos sem a pólio, que teve seu último caso registrado em 1989, na Paraíba. A erradicação oficial no continente americano veio em 1994. No entanto, enquanto houver circulação do vírus no mundo, a vacinação não pode recuar, sob risco de novos surtos e epidemias, como as ocorridas no início do século passado e nas décadas e 1950 e 60.

— Precisamos manter a pressão, mas acreditamos que podemos alcançar o ponto onde verdadeiramente interrompemos a transmissão no fim deste ano ou no fim da temporada (inverno no Hemisfério Norte) do ano que vem — afirmou Michel Zaffran, diretor da OMS para erradicação da pólio, em entrevista ao jornal britânico “Guardian”.

Os nove casos registrados desde o início de 2016 são considerados um número baixo para o inverno. Segundo Zaffran, mesmo que haja um pico de ocorrências no verão, será possível pôr fim a novas infecções até início do ano que vem.

— Será um feito extraordinário, de um esforço contínuo desde 1988 — ressaltou o diretor da OMS. — Nós começamos com 150 países e agora temos apenas dois.

Em 2013, o vírus ressurgiu na Nigéria, na Síria e no Iraque, mas as três nações estão livres da doença novamente. No Paquistão, a OMS foca em três áreas conhecidas pela presença do vírus: a cidade de Karachi e as regiões de Quetta Block e do distrito de Peshawar.

No Afeganistão, a situação é complicada pela presença de grupos extremistas: 47 distritos foram priorizados para vacinação e vigilância, mas 32 deles estão sob o controle de forças não governamentais.

— Nesses casos é difícil alcançar as crianças — contou Zaffran. — Estamos vacinando em pontos de trânsito, mas ainda estamos confiantes, porque tivemos apenas dois casos reportados este ano até agora, em comparação com 22 no ano passado.

SÍNDROME PÓS-PÓLIO AFETA BRASILEIROS

No Brasil, médicos e historiadores acreditam que o vírus tenha circulado nos séculos XVIII e XIX, mas o primeiro registro oficial data de 1911. Mesmo após mais de duas décadas de erradicação, tomar as doses da vacina Sabin — criada em 1957 pelo polonês Albert Sabin — é essencial enquanto houver notícia de pelo menos um caso em qualquer parte do mundo.

— Se o vírus existe em algum lugar, não é impossível que ele chegue ao Brasil — diz o professor de neurologia Acary Bulle Oliveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). — Temos que ficar alerta, especialmente porque apenas 1% das pessoas infectadas pelo vírus da pólio manifesta paralisia. Em todas as outras, a doença passa despercebida, mas o vírus está ali e pode ser passado adiante. Temos que manter a memória da população: no passado, o medo da pólio provocava filas para vacinação tão grandes como as que vemos hoje para a gripe H1N1. Não podemos esmorecer na prevenção até que a doença seja, sem sombra de dúvidas, erradicada.

Entre as sequelas da pólio, estão a paralisia dos membros, especialmente os inferiores, e a paralisia de outros nervos musculares, como os ligados à respiração e à deglutição. Esses dois últimos casos são os mais preocupantes, porque há risco de morte. Já entre as pessoas que tinham pernas ou braços paralisados, algumas conseguiam até mesmo recuperar o movimento tempos depois, com ou sem ajuda de fisioterapia.

Oliveira explica, ainda, que cerca de 70% dos que tiveram poliomielite na infância tendem a desenvolver, em torno de 30 anos depois, a síndrome pós-poliomielite, caracterizada por fraqueza muscular, dor de cabeça, fadiga e dificuldade de respiração. Apenas no setor da Unifesp destinado a atendimento de pessoas com essa condição, são recebidos 2 mil pacientes. Não há tratamento específico para essa síndrome, assim como não há para a pólio. Trabalha-se basicamente com fisioterapia.

— Para esses brasileiros, a pólio não acabou. E eles terão que conviver com essa consequência dela para o resto da vida — diz o neurologista.

De acordo com Dilene Raimundo do Nascimento, pesquisadora da Casa Oswaldo Cruz, muitos desses sobreviventes da pólio tiveram a vida complicada porque a síndrome demorou a se tornar uma doença reconhecida. De início, ela era vista como simples preguiça.

— Hoje a síndrome pós-pólio está no código internacional de doenças e permite ao paciente benefícios previdenciários — afirma ela.

Para Joël Calmet, médico da Sanofi Pasteur, fabricante de vacinas contra a doença, a erradicação da pólio será um grande feito para a Humanidade e um legado para ao mundo sobre a eficácia dos programas de vacinação.

— O prazo original para a erradicação era o ano 2000, algo bastante desafiador para a época. Um atraso de 20 anos parece enorme, mas a pólio está aí há milhares de anos e pôr um fim nela será incrível — arremata Calmet.

Fonte: O Globo