Sindhosba

Em meio à crise, União, Estados e municípios convivem com uma disparada no número de ações e gastos com tratamentos e medicamentos solicitados por meio do Judiciário. Levantamento do Ministério da Saúde mostra que, entre 2010 e 2015, os desembolsos da União cresceram 797%, atingindo R$ 1,1 bilhão. Este ano, devem chegar a R$ 1,6 bilhão. Se somados os gastos de todas as esferas de governo, a previsão é de que a conta atinja R$ 7 bilhões.

A solução para o problema pode estar nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisam a questão por meio de dois recursos em repercussão geral. Os votos proferidos até agora foram no sentido de que medicamentos de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser concedidos apenas em casos excepcionais e desde que preencham certos requisitos – como impossibilidade de substituição e incapacidade financeira do paciente. Sobre os não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), caminha-se para uma maior restrição para o fornecimento.

Enquanto o Supremo não bate o martelo, assiste-se a uma corrida ao Judiciário em busca de liminares. Há pedidos, inclusive, de medicamentos listados pelo SUS, que não estariam imediatamente disponíveis devido à crise que afeta o sistema, segundo advogados. A questão foi analisada recentemente por meio de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR) no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

“O aumento também se justifica porque as pessoas estão ficando mais bem informadas”, afirma o advogado Rodrigo Araújo, do Araújo, Conforti e Jonhsson – Advogados Associados. De acordo com ele, a questão afeta não só o setor público, mas também o setor privado – os planos de saúde.

Em São Paulo, o volume de ações que tem como parte o Estado, por exemplo, cresceu 92% entre 2010 e 2015. No ano passado, havia 53 mil processos em andamento. Hoje, são 56 mil. E o custo com fornecimento de medicamentos e procedimentos (consultas, exames e cirurgias) subiu ainda mais no período: cerca de 900%, atingindo R$ 1, 2 bilhão.

Com a crise, o perfil da judicialização da saúde tem se modificado. Em São Paulo, percebeu-se um aumento significativo na busca por procedimentos – principalmente exames e cirurgias. “É ruim para o sistema. É um fura-fila, levando-se em consideração que o Estado tem praticamente todos os procedimentos existentes”, diz Renata Santos, assessora técnica do Núcleo Jurídico da Secretaria da Saúde.

A demanda por medicamentos, porém, ainda lidera em todo o país. No Paraná, os gastos dispararam. Passaram de R$ 60 milhões em 2012 para R$ 124 milhões em 2015. E a previsão para este ano é de atingirem R$ 156 milhões. Os mais pedidos são os para tratamento de câncer (oncológicos), que representam quase um terço do volume de recursos disponibilizados pelo Estado.

Como a oferta de medicamentos oncológicos é de responsabilidade da União, Estados tentam na Justiça passar a conta para frente. “Quando não há determinação pelo juiz, acabamos solicitando administrativamente o ressarcimento pela União”, diz Deise Pontarolli, chefe do Departamento de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.

Com o crescimento da demanda, Judiciário, União, Estados e municípios se articulam para tentar resolver o problema. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Saúde assinaram um termo de cooperação técnica para a criação de um banco de dados com informações técnicas para subsidiar os magistrados de todo o país em ações judiciais na área da saúde.

De acordo com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, a estrutura do banco de dados será criada pelo Hospital Sírio-Libanês, que investirá, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), cerca de R$ 15 milhões. “Nele estarão disponíveis pareceres médicos e jurisprudência para que o juiz possa decidir se deve dar ou não o que for solicitado”, diz o ministro.

Em São Paulo, a Secretaria da Saúde firmou recentemente parceria com o Tribunal de Justiça (TJ-SP), Ministério Público Estadual e Defensoria Pública. Por meio do projeto “Acessa SUS”, irão trabalhar para diminuir o volume de ações judiciais desnecessárias. Pacientes que procurarem esses órgãos com suas receitas serão encaminhados para uma comissão montada pela secretaria, integrada por profissionais da área da saúde. Cada processo poderá ser acompanhado por representantes dos órgãos envolvidos por meio de um sistema informatizado.

Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça (TJ-MG) e a Secretaria de Estado de Saúde assinaram um termo de cooperação técnica e implantaram em outubro uma câmara de conciliação pré-processual para Juizados Especiais em Belo Horizonte. O Estado também tem, desde 2011, uma parceria com a Defensoria Pública – que consegue reduzir em 30% as demandas judiciais.

“Muitas vezes, a pessoa procura o caminho da Justiça porque não tem informação de como acessar o que está precisando no Sistema Único de Saúde. São raros os casos em que a pessoa não tem possibilidade nenhuma de tratamento pelo SUS”, afirma o assessor-chefe do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, Orozimbo Campos.

Os gastos para o cumprimento de decisões judiciais também dispararam em Minas. Cresceram 161,5% entre 2011 e 2015, passando de R$ 91 milhões para R$ 238 milhões. Este ano, até o dia 15, foram gastos R$ 272 milhões – quase o mesmo valor investido pelo Estado em atenção básica (caráter preventivo), como o Programa de Saúde da Família. “O direito à saude, que é o argumento das ações, está sendo entendido como um direito a um produto – um medicamento ou um equipamento. É um direito muito mais amplo”, diz Campos.

Fonte: Valor – SP