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Dinheiro não é tudo. O velho adágio ganha dimensão no mundo do trabalho. Pesquisa do Grupo Catho mostra que o salário figura em segundo lugar como principal meio de atração de profissionais. Em primeiro, com mais da metade das respostas (51,4%) aparece o item “perspectivas de crescimento”. A pesquisa, realizada com exclusividade para o Valor com 105 empresas, é um reflexo dos novos tempos. Profissionais mais destacados não abrem mão do bom salário e um pacote robusto de benefícios, mas querem, antes de tudo, reconhecimento e possibilidade de evolução permanente. O desafio das corporações é administrar expectativas e sinalizar que podem oferecer tudo isso.

Foi a chance de ter novas oportunidades que fez Rodrigo Ritter, coordenador de TI e bioinformática a trocar uma gigante da agroquímica – cujo nome ele prefere omitir – com mais de 20 mil funcionários em todo o mundo pela Nexsteppe, startup da biotecnologia. A transição, no fim de 2012, rendeu um salário 30% maior, mas um pacote de benefícios mais modesto. Em compensação, colocou o profissional de 35 anos em novo degrau, no qual pode se relacionar diretamente com o CEO.
“Esta nova dinâmica me proporcionou expor projetos com mais autonomia e melhorar meu relacionamento e networking com outros profissionais da alta liderança”, diz Ritter. “A oportunidade de tomar decisões e ter um papel de maior importância numa organização promissora foi minha motivação.” Com várias metas traçadas para os prazos de 12 e 24 meses, Ritter acredita que no novo emprego, as possibilidades de evolução são maiores.

Outra pesquisa do Catho com 53,6 mil profissionais de todo o Brasil já havia mostrado que o principal motivo para troca de emprego são as possibilidades de uma carreira promissora. É isso que tem feito com que as principais empresas tenham como prioridade a formação do quadro de pessoal, comenta Angélica Nogueira, gerente de Desenvolvimento da Catho. Em tempos de tecnologia e processos disseminados, a gestão de talentos tornou-se o meio mais seguro de fazer a diferença.

Companhias que pretendem manter talentos têm investido mais na capacitação. Funciona como uma troca. “A empresa investe no funcionário, em algo do qual ele queira participar, e ele devolve com engajamento”, afirma a executiva. As novas formas de recompensar talentos não envolvem mais um prêmio financeiro imediato, mas o funcionário se torna elegível para postos mais elevados a partir da capacitação, desde que ofereça resultado, explica Angélica.

Segundo a gerente da Catho, uma das “premiações” mais em voga é o reconhecimento público. Várias empresas estão utilizando redes sociais para fazer “propaganda” da competência de seus quadros. Embora isso exponha o funcionário à cobiça da concorrência, de certa forma o atrela, diz Angélica, pelo reconhecimento e por seu desempenho aparecer associado às conquistas da corporação.

“O desafio para reter profissionais hoje é gerar significado”, diz o consultor Adilson Souza, professor dos MBAs da Trevisan Escola de Negócios. E significado passa pelos valores, pelo clima e pela qualidade das lideranças. Ou seja, chefes com habilidades interpessoais ajudam a atrair talentos. Principalmente se forem capazes de gerir pessoas com habilidades específicas superiores às suas.

Reputação e qualidade dos gestores têm sido fundamentais para atrair e manter bons profissionais, destaca Peter Noronha, consultor da Asap Recruiters. “Quando mais motivadores e melhores gestores de pessoas, mais os líderes e suas empresas se tornam atraentes.”

Noronha confirma que a remuneração perdeu importância para o “alinhamento entre os valores individuais e os corporativos”, reputação e imagem da companhia e dos líderes. “Junto com esses aspectos intangíveis, entra um quarto fator, que é a valorização pelo desempenho”, afirma. Segundo ele, benefícios hoje são commodity. Por isso, para se diferenciar, a companhia precisa de um programa de recompensa por desempenho e de fringe benefits quase “personalizados”.

Os benefícios carregam a vantagem de ser bem mais baratos que remuneração direta, pela não incidência de encargos. Mas perderam o encanto com a generalização. A moda agora é oferecer “privilégios”, revela Angélica Nogueira, da Catho. São serviços como academia, venda ou doação de produtos de uso pessoal, transporte especial, estacionamento privilegiado, salão de beleza no local de trabalho com hora marcada e preços especiais.

Mimos como academia, massagem, alimentação saudável e campanhas de vacinação são recursos empregados pela farmacêutica Eli Lilly. Já a administradora de cartões Cielo investe em “sete pilares” da vida saudável: física, emocional, espiritual, profissional, social, financeira e intelectual. A Cielo promove atendimento com psicólogo, massagem, orientação nutricional, programas esportivos e venda de ingressos em condições especiais.

“Previdência privada é um diferencial interessante para quem ganha salários acima do teto do INSS (R$ 4 mil) e portanto, para funções mais executivas”, comenta Filipe Maciel, sócio diretor da VIS Corretora, especializada em benefícios. A tendência tem sido fundos de pensão em que o funcionário tem direito à parcela de contribuição da empresa mais cedo. Planos de saúde com níveis diferentes também integram pacotes diferenciados. O que as corporações mais modernas procuram fazer é identificar o grau de satisfação dos funcionários e transformá-lo em engajamento. Nas pesquisas realizadas pela VIS, diz Maciel, 90% dos entrevistados atrelam engajamento aos benefícios.

“Como a remuneração obedece a limites e não dá para ir oferecendo uma escala cada vez maior de benefícios sem fim, é preciso ter melhores práticas e considerar alguns aspectos na formação das equipes”, comenta Peter Noronha. Ele acredita que a melhor estratégia é formar equipes com várias gerações de profissionais, diferentes graus de experiência e expectativa, que vão se sucedendo. “Uma alternativa é a carreira lateral para os mais jovens, como a transferência para o exterior ou liderança de projetos estratégicos. É uma forma bastante eficaz de desenvolver competências.”

Se o discurso indica foco nas pessoas, nem sempre a prática o confirma, analisa Anderson Sant’Anna, coordenador do Núcleo de Desenvolvimento de Lideranças da Fundação Dom Cabral e integrante do Observatório de Pessoas e Lideranças da instituição. “Pelo observatório, sabemos que setores que vivenciam maior competição, principalmente nos que a inovação é maior, essa preocupação com a gestão de pessoas é intrínseca”, em outros apenas se criam formas novas de fazer as mesmas coisas. “É por isso que o Brasil tem perdido posição em todos os rankings de competitividade: pela falta de qualificação de pessoal”, afirma.

“Fala-se muito em produtividade e competitividade nas organizações”, diz Paulo Sardinha, presidente da seção fluminense da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Rio). “As empresas que têm capacidade já chegaram ao limite. Os ganhos agora são na gestão de pessoas.”

“Existe uma diferença entre os discursos. As empresas dizem que oferecem clareza de oportunidades para o desenvolvimento de uma carreira. Os funcionários, que saem por ter encontrado oportunidades fora, com salários melhores”, afirma Vanessa Fernandes, diretora da consultoria de negócios Hay Group. “Salário, portanto, continua sendo principal motivo de saída das pessoas do emprego.”

Mesmo assim, as empresas não cogitam oferecer aumentos como estratégia de retenção. Pesquisa do Hay Group com 214 empresas no Brasil mostrou 72% delas não estudam segurar funcionários com reajustes salariais este ano. O levantamento aponta ainda que 51% das companhias tiveram dificuldades para manter seu pessoal no ano passado e que apenas 11% delas possuem programa de retenção, enquanto 42% realizam ações específicas quando necessário.

“A maior parte das empresas não pretende inflacionar os salários. Elas optam por uma espécie de ‘pagamento diferido’, ou seja, acenam com a possibilidade de compensação futura”, diz Vanessa. “É uma negociação. Mas o empregado precisa ter confiança de que existe um plano para ele se desenvolver mais para frente.” Corporações com programas de carreira bem definidos têm mais facilidade para cumprir o compromisso, comenta.

Na opinião de José Augusto Figueiredo, presidente no Brasil da consultoria LHH|DBM, “retenção não é privilégio das organizações, é prerrogativa do indivíduo”. O sucesso da empresa em manter seus profissionais será medido pela capacidade de promover o engajamento mais natural. É preciso que as pessoas se identifiquem com os valores daquela companhia e percebam que terão oportunidade de realizar sonhos.

“Os líderes também precisam mostrar comprometimento”, explica Luiz Valente, diretor geral da Talenses Executive. “A atitude no dia a dia e o exemplo são importantes. É preciso ter critério, coerência, transparência e discurso afinado com a prática.” Para Valente, o comprometimento ocorre com mais frequência quando a organização define metas claras e critérios transparentes para recompensar seu pessoal.

Fonte: Valor Econômico