Sindhosba

A primeira coisa que Darren Fergus fazia quando acordava e a última quando ia dormir era checar suas contas de e-mail e mídias sociais. Apesar das reclamações do filho, o empresário achava que tinha uma relação saudável com seu iPhone. Mesmo assim, ele decidiu fazer uma desintoxicação digital.

Celulares e tablets foram banidos e substituídos por caminhadas, incursões na cozinha e visitas ao parque para soltar pipa. Fergus percebeu, então, o quanto era dependente da tecnologia. “Não ter um celular foi estranho. Não saber o que estava acontecendo, ficar sem comunicação…”

Apesar disso, ele se sentiu revigorado. De volta para casa, passou a deixar o celular de lado nos fins de semana. A “viagem” ao mundo desconectado foi organizada por Martin Talks, um empreendedor digital que oferece esses programas por intermédio de sua companhia Digital Detoxing para trabalhadores e famílias em busca de ajuda para o problema do excesso de tecnologia. Os pais, diz ele, estão sempre em busca de diretrizes para educar seus filhos adolescentes. “Não prego um retorno à caneta de pena e ao arado. Quero apenas que eles tenham uma relação saudável com a tecnologia.”

Em sua opinião, o excesso de tecnologia está distraindo as pessoas de seus trabalhos. “Os profissionais não estão concentrados nem engajados. Isso está drenando nossas energias. Estamos sempre ligados, não conseguimos descansar. Nossas mentes estão sempre ocupadas”, diz.

A ironia de um especialista em marketing digital aconselhar pessoas sobre como dar uma pausa na tecnologia não está perdida nas observações de Talks: “Isso não precisa ser tão tóxico com a frequência que costuma ser”, reconhece.

Um dos expoentes mais conhecidos da desintoxicação digital é Randi Zuckerberg, irmã do fundador do Facebook Mark Zuckerberg, e ex-diretora de marketing do site de mídia social. Ela sugere que os “viciados” deveriam tirar dias de folga de seus aparelhos com regularidade. Quando fazem isso, eles podem muito bem sofrer de “nomofobia”, termo que descreve a ansiedade decorrente da separação de um smartphone, por exemplo.

Em seu novo livro “Reclaiming Conversation”, Sherry Turkle, psicóloga e diretora da “Initiative on Technology and Self”, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), diz que os smartphones estão matando o hábito da conversa. Ela recomenda uma “cura pela fala” em que conversas realizadas pessoalmente substituem “as conexões falhas de nosso mundo digital”.

Nicholas Carr, autor de “The Shallows”, diz que devido à nossa conexão contínua com a mídia eletrônica, estamos sempre realizando multitarefas. “Fazer várias coisas ao mesmo tempo está associada ao pensamento mais superficial, à redução da concentração e da criatividade e ao aumento do estresse.”

Agências de turismo já se deram conta disso e começaram a vender desintoxicações digitais. Até mesmo as autoridades da New Forest, uma grande área verde ao sul de Londres, na Inglaterra, começaram a promover uma “creche tecnológica”, em que as pessoas podem deixar seus aparelhos digitais em um cofre seguro.

Por sua vez, a fabricante de refrigerantes Innocent realizou neste verão no hemisfério Norte um festival com o lema “Unplug, recharge” (algo como “desligue do celular e se recarregue”). O evento proibiu o uso de celulares ou Wi-Fi pelos participantes, que tinham reuniões matinais e conversas com membros de um coletivo que promove trabalhos manuais. Caroline Jones, uma produtora de eventos, está organizado o Restival, que acontecerá no mês que vem no Marrocos, no qual não haverá sinal de Wi-Fi para que as pessoas não fiquem “digitando e se gabando”. Ela diz que o Restival já tem 3.500 inscrições para 100 vagas. Ela pretende levar parte do programa para empresas.

Nos Estados Unidos, a Camp Grounded organizam eventos para empreendedores e profissionais esgotados. A tecnologia é proibida e os visitantes são solicitados a não se apresentar por meio de seus cargos, na esperança de que as pessoas tenham uma relação mais profunda.

As desintoxicações digitais, diz Talks, funcionam ao permitir que as pessoas se concentrem no problema. Elas são uma sacudida, e não uma cura completa. Seus cursos ensinam as pessoas a organizar pausas da tecnologia em um dia normal de trabalho. As dicas incluem desligar o celular por uma hora para ter certeza de que você vai se concentrar no trabalho, reduzir a comunicação por e-mail com pessoas que trabalham próximas e se levantar ao receber uma ligação ou se estiver conversando.

Lucy Pearson é uma ex-executiva da área de propaganda que ajudou a fundar o Unplugged Weekend, após conhecer sua “alma gêmea” em um retiro no Saara. Após organizar pausas de fim de semana totalmente desconectadas, o casal agora trabalha com companhias de tecnologia, ajudando seus funcionários a usar seus dispositivos eletrônicos com “propósito”. Os consultores de desintoxicação digital têm a mesma missão que os personal trainers, diz ela: “Todos sabemos o que é bom para nós, mas precisamos de ajuda para por isso em prática.”

Linda Stone, uma ex-executiva de TI que estuda os efeitos da tecnologia sobre o organismo, a mente e as emoções, cunhou a expressão “atenção parcial contínua”, em que as pessoas prestam uma atenção superficial a muitos fragmentos de informação. Ela não gosta muito da linguagem que estimula as pessoas a se desconectarem, por achar que é mais importante pensar a respeito dos motivos e da maneira que isso deve ser feito. No entanto, ela diz que, para alguns, entrar em um grupo e compartilhar uma experiência já estruturada pode ajudar no processo de “desligamento”.

Orianna Fielding, fundadora da Digital Detox Company, visita locais de trabalho para avaliar o excesso de tecnologia. Não há sentido em dar conselhos aos funcionários se eles não forem colocados em prática no escritório. Ela diz que encontra com frequência profissionais estressados e agitados demais. “É bem fácil se desplugar no alto de um montanha na Toscana, mas as pessoas precisam fazer isso no contexto do trabalho.”

Em sua opinião, as gerações mais velhas têm mais facilidade para se desligar da tecnologia. “Pessoas que nasceram na era digital nunca viveram sem a tecnologia. Elas ficam apavoradas diante da perspectiva de ficar sem ela”. Mesmo assim, Orianna garante que, pouco tempo depois de o processo ser iniciado, o medo dá lugar ao alívio.

Assim como na maior parte das mudanças culturais em organizações, a mensagem de que as pausas digitais são importantes precisa vir do topo. Isso ajudaria a estimular o entendimento de que os funcionários não devem ser sentir compelidos a trocar e-mails com seus chefes nas horas livres. Ela recomenda, por exemplo, estabelecer respostas automáticas alertando que você não está disponível e vai ficar desplugado por um determinado período. Além disso, mostra aplicativos de gerenciamento de tempo que desligam computadores e filtros de e-mail.

Para muitas pessoas, diz ela, a principal descoberta é que, quando elas pegam de volta seus dispositivos eletrônicos, as coisas estão basicamente as mesmas. Em outras palavras, “elas não perderam nada”.

Fonte: Valor Econômico / Financial Times, por Emma Jacobs, 14.10.2015