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As empresas passaram a correr maiores riscos com planejamentos tributários. Além de criar o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit), a Medida Provisória nº 685, publicada dia 22 de julho de 2015, exige que as companhias declarem à Receita Federal, anualmente, os negócios jurídicos realizados que acarretarem supressão, redução ou adiamento de tributo. Também devem ser informadas operações sem razões “relevantes”, além da economia de tributos, realizadas de forma “não usual” ou que estiverem previstas em ato da Receita.

Se a operação não for aceita, a empresa deverá pagar, em até 30 dias, os tributos que teria economizado, mais juros pelo atraso. Não haverá multa. Caso o Fisco não receba a declaração, considere que o contribuinte omitiu dados “essenciais” sobre o negócio ou que foram repassadas informações falsas, será aplicada multa qualificada de 150%.

Por meio da nova obrigação, segundo especialistas, o contribuinte, mais uma vez, fará o papel do fiscal – que só tem cinco anos após a operação para autuar, se for o caso. O maior perigo da medida, acrescentam, é que a adoção dos conceitos subjetivos estabelecidos pela MP permita que praticamente qualquer tipo de planejamento tributário exija uma espécie de “aval” do Fisco.

“A MP deixa claro que, com a ausência de recursos, o governo tenta reduzir, de todas as formas, o planejamento tributário”, afirmou Douglas Campanini, da Athros Auditoria e Consultoria. Segundo o consultor, todo planejamento tributário posterga ou reduz tributo. “Mas são lícitos porque a própria legislação abre essa possibilidade.”

Um exemplo de planejamento geralmente realizado com propósito negocial e economia tributária é a incorporação às avessas, segundo Campanini. Nesse caso, uma empresa tem prejuízo e outra do mesmo grupo tem lucro. Em vez de a lucrativa incorporar a que tem prejuízo, ocorre o contrário. “Existe um propósito de negócio também. Mas a Receita pode querer desconfigurar o negócio porque usa critérios que sempre foram e, de acordo com a MP, continuarão a ser muito subjetivos”, disse.

As empresas e tributaristas já esperavam uma medida de combate ao planejamento tributário. “Mas o texto está muito mais abrangente do que se imaginava”, afirmou a advogada Thais de Barros Meira, do BM&A Advogados. Por isso, o que os advogados mais esperam da regulamentação é a definição de conceitos como “razões relevantes” e “forma não usual”. Para Thais, sem essas explicações, se a empresa tiver que pagar a multa de 150%, certamente vai recorrer ao Judiciário.

Na Justiça, as empresas podem alegar que não há um parâmetro legal específico para a Receita Federal definir se o planejamento é legítimo. “A MP obriga o contribuinte a informar a razão extratributária relevante, mas não há critérios legais para se avaliar se essa razão existe ou não”, afirmou o advogado Fabio Calcini, do Brasil Salomão & Matthes Advocacia. “Foi criado o procedimento, mas não há base jurídica sobre a qual a Receita vai se debruçar para analisar o planejamento.”

No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que voltará a funcionar no dia 28, são comuns discussões sobre os conceitos aplicados pelo Fisco para desqualificar planejamentos tributários. Mas não há consenso. Decisão da 3ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção sobre amortização de ágio decorrente de expectativa de rentabilidade futura, por exemplo, analisou o conceito de “propósito negocial” e cancelou a qualificação da multa, por ter entendido que não houve abuso do contribuinte. Já a 2ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção, ao julgar a aplicação do mesmo conceito em relação à trava de 30% na absorção de prejuízos fiscais, manteve a multa qualificada.

Diante da falta de consenso e da complexidade do sistema tributário brasileiro, o advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos, do Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados, entende que, antes ou concomitantemente à implantação do modelo, a Receita Federal deveria criar um manual de interpretação das leis tributárias, submetido à consulta pública. “A multa de 150% por presunção de omissão é claramente abusiva”, disse.

De acordo com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, a obrigatoriedade de as empresas apresentarem a declaração, a partir de setembro, objetiva a melhoria do ambiente de negócios, o que seria uma orientação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “Vamos recebê-la como uma espécie de consulta”, afirmou ontem em entrevista coletiva.

Segundo o secretário, a Receita pretende elaborar uma lista dos planejamentos que podem ser considerados saudáveis ou abusivos. Ele também disse que não haverá fiscalização prévia ou mais rápida para a análise das operações contidas na nova declaração. Porém, se forem identificadas incoerências, o contribuinte poderá ser intimado a dar mais informações.

Rachid adiantou que outras medidas no sentido de aproximar o Fisco dos contribuintes ainda estão por vir. Segundo o secretário, uma instrução normativa deverá ser editada até o fim deste mês pela Receita para regulamentar a nova obrigação. A nova declaração deve ser entregue até 30 de setembro de cada ano.

Fonte: Jornal Valor Econômico