Reclamações gerais de pacientes e funcionários, demissões em massa, e alertas dos sindicatos e associações. Por todos os lados, torna-se cada vez mais evidente que as unidades de saúde da Bahia estão em grandes dificuldades.
No último mês, o Hospital Espanhol de Salvador dispensou cerca de 800 profissionais das áreas técnicas e administrativas, sob a justificativa de um “inchaço” na folha de pagamento da unidade.
Porém, a fase ruim do hospital – que realiza atendimentos pelo SUS e pelos planos de saúde particulares – já se arrasta por mais tempo, numa crise que engloba não apenas as unidades filantrópicas, como também as privadas. Uma situação que está levando ao crescimento exorbitante das dívidas, e que pode culminar no fechamento de instituições que são importantíssimas para a assistência médica da população.
Unidades como os Hospitais da Bahia, São Rafael e Aliança também já tiveram a continuidade de suas atividades questionadas, após ser atestado o prejuízo que as instituições estavam tendo, ano após ano. O Aliança, uma das principais referências de saúde particular da capital baiana, teve sua venda especulada duas vezes nos últimos cinco anos.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Sindhosba), Raimundo Correia, a crise é nacional, e na Bahia o cenário não poderia ser diferente. Ele afirma que os hospitais particulares não recebem qualquer benefício fiscal dos governos, o que torna a situação muito grave nesteponto, se houver comparação com estabelecimentos filantrópicos – que tem tais benefícios.
Correia explica que os estabelecimentos particulares operam independentes, em um cenário em que o pagamento dos impostos corresponde a 35% da renda mensal das unidades. Um custo alto, visto que os planos de saúde pagam muito pouco, as instituições que precisam arcar com profissionais especializados, aparelhagem moderna, manutenção, etc.
Porém, mesmo recebendo os benefícios tributários, a situação das entidades filantrópicas consegue ser ainda mais alarmante, o que tem levado, inclusive, ao fechamento das unidades no interior do estado. Nos últimos quatro anos, os municípios de Cruz das Almas, Nazaré das Farinhas, Conceição do Coité, Senhor do Bonfim e Santo Amaro perderam unidades das Santas Casas por conta das dívidas.
Em entrevista ao portal Bahia Notícias, o presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Entidades Filantrópicas do Estado da Bahia, Maurício Almeida Pereira, afirmou que se a crise não for resolvida, será um caos. Segundo ele, muitas instituições dependem quase que exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), mas não recebem valores suficientes nem para cobrir os custos de operação.
“A filantropia é responsável por 96% da assistência oncológica no estado e 85% das cirurgias de visão. Se essa rede hospitalar, quebrar uma a uma, o SUS entra em colapso”, alerta o presidente da federação.
Enquanto isso a maioria das entidades filantrópicas que conseguem manter as atividades fazem porque tiveram suas gestões transferidas para instituições de maior porte, ou conseguiram outras fontes de renda. Este é o caso da Santa Casa de Miguel Calmon, que está sendo administrado pelo Hospital Português, e da Santa Casa de Salvador, que se mantém em equilíbrio por causa dos convênios particulares.
“A operação do SUS é negativa e está sendo injusta com a Santa Casa porque diminui nossa capacidade de atendimento. Ao invés de investir em modernização ou repor equipamentos obsoletos, nós temos que ficar cobrindo os déficits do sistema”, reclamou o provedor da Santa Casa de Salvador, Roberto Sá de Menezes, em conversa com o portal.
Caos também é sentido pelos profissionais de saúde
Já para os profissionais que estão diariamente nas unidades privadas e filantrópicas, a situação é caótica diariamente. Entidades representantes dos médicos e dos enfermeiros questionam muitas irregularidades dentro desses ambientes hospitalares, mas a maior queixa vai para a administração dos hospitais e outras entidades que prestam serviços de saúde.
“Temos um cenário em que a gestão dessas unidades é completamente amadora e amargam o prejuízo que tomam, pois apesar da receita estar negativa, não há ações para conter o déficit. O resultado tem sido a diminuição de leitos em quase todos os hospitais privados, e a consequente diminuição da folha de pagamento”, explicou o presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed), Francisco Magalhães.
A avaliação do médico sindicalista é a de que os hospitais são coniventes com os altos gastos do atendimento, e não buscam o equilíbrio das despesas com os planos de saúde, que, por outro lado, agregam um lucro exorbitante ao pagarem mal, não apenas os hospitais, mais aos profissionais de saúde. “No ano passado, os planos de saúde lucraram R$ 92 bilhões, enquanto isso os hospitais estão encerrando as contas no vermelho, ano após ano”, relatou.
Ainda sobre os planos de saúde, o presidente do Sindimed explica que, em um procedimento médico convencional – como uma consulta – o honorário médico representa apenas 1,5% do gasto que tem o plano. No caso de um procedimento cirúrgico, que é mais complexo – esse valor chega ao máximo de 20%.
Por isso a reclamação da categoria é constante, o que tem levado a desentendimentos, que culminaram na paralisação de atendimentos com o Bradesco Saúde – um dos maiores do país. O que se percebe, segundo Magalhães, é um sucateamento geral das unidades de saúde. “Os centros cirúrgicos são muito movimentados, o que é inadequado, pois o risco de contaminação fica mais alto”.
E a parcela de profissionais insatisfeitos não se restringe aos médicos. Para o Sindicato dos Enfermeiros da Bahia (SEEB), o sucateamento das unidades – mesmo as privadas – acaba sendo um problema a mais, além do que os profissionais da categoria precisam suportar em sua rotina.
A presidente da entidade, Lúcia Duque, explica que esses trabalhadores possuem uma carga horária elevada (que vai de 40 à 44h semanais), salários muito baixos, além de sofrerem com o constante assédio moral da supervisão dos hospitais. “São fatores que têm colocado em risco a saúde desses profissionais, que adoecem com uma freqüência cada vez maior”, complementa.
O que mais choca, porém, é o fato de que não existe escassez de profissionais na Bahia. Muito pelo contrário. “Apenas 20% dos enfermeiros e técnicos em enfermagem que se forma todo ano, são absolvidos pelo mercado”, conta Lúcia Duque, acrescentando que em média 400 enfermeiros e 800 técnicos graduam anualmente no estado.
“Os hospitais atualmente não contratam nem 15% do número adequado de profissionais de enfermagem que são necessários para a demanda de atividades”, explicou a presidente do Seeb, complementando que boa parte das UTI’s privadas trabalha com a média de oito pacientes para um enfermeiro, quando o ideal seria de três pacientes para cada profissional.
Fonte: Tribuna da Bahia