“Comer, rezar, amar”. Se, na obra de Elizabeth Gilbert, a autora decide abandonar a rotina da vida pessoal e da profissional para sair em busca de respostas para seus anseios por meio da gastronomia, da oração e do envolvimento amoroso, no mundo executivo a retirada de cena para novos projetos em geral requer a conjugação de verbos de outra natureza.
Aprender e se desenvolver são os mais recomendados para quem pretende tirar um sabático e vislumbra no horizonte – mesmo que difusamente – o retorno para a carreira interrompida. Planejar também é imprescindível nessa cartilha para que a ausência não seja uma viagem sem volta, mesmo nos casos em que o retiro não esteja relacionado com a trajetória até então traçada pelo profissional.
“A saída tem de ser estruturada”, orienta Sandra Finardi, diretora da divisão executivos do grupo DMRH. “Qual o seu propósito? O que vai lhe agregar? Essas respostas têm de estar muito claras, pois serão de extrema importância no momento de se reposicionar novamente no mercado”, diz.
Em primeiro lugar, é necessário deixar as portas abertas – e não batê-las – ao sair. “A ruptura não pode ser muito radical”, afirma João Baptista Brandão, professor da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas). “É preciso ser maduro na hora de se afastar e fechar um ciclo. Além disso, é recomendado contar para algumas pessoas da rede de contatos o que você está fazendo e mantê-las informadas ao longo de todo o processo”, diz. Esse networking deve se ater sobretudo a players que, de alguma maneira, poderão influenciar positivamente na recolocação do executivo em seu retorno.
Quem sai “dando tiro”, reforça Brandão, “cria um abismo e se rotula como alguém que enlouqueceu”. Nesse caso, a volta se torna bem mais complicada. Mesmo em situações nas quais o afastamento é motivado por questões de saúde – particularmente ligadas ao estresse -, o professor sugere uma explicação mais bem construída. “Há muitos tabus. Vão questionar, por exemplo, se quem já sucumbiu à pressão não vai voltar a fazer isso quando voltar.”
Uma dica dos consultores para o período de interrupção da carreira é não se desligar de tudo, não só em relação aos contatos da rede pessoal mas também no que diz respeito à incorporação de conhecimentos que, de alguma maneira, contribuam para a evolução do profissional – principalmente se ele atua em áreas em que os conceitos se renovam rapidamente, como a de TI.
Não é recomendável, também, alongar-se excessivamente no intervalo. O prazo limite aceitável, na opinião de Brandão, é o de dois anos. “O ideal seria que, durante esse tempo, fosse escolhida alguma atividade que, mesmo fora do meio corporativo, desse suporte a essa tomada de decisão [de reciclagem]“, afirma Irene Azevedo, diretora de negócios da consultoria em transição de carreira LHH/DBM.
Por esse prisma, por mais distante que possa parecer da rotina do escritório a ocupação adotada, não se pode esquecer de que o aprofundamento em questões pessoais também se reflete no desenvolvimento de uma nova postura profissional. O que faz mesmo a diferença são as justificativas arroladas ao sabático, seja ele para “fazer um curso fora, conhecer diversas culturas, dedicar-se a um trabalho social ou passar um ano viajando”, conforme elenca Azevedo.
Assim sendo, os verbos comer, rezar e amar de Gilbert podem ganhar outro significado desde que potencializem competências desejáveis no universo corporativo. “Se bem organizado o raciocínio, essas experiências podem ser vistas de maneira positiva”, afirma José Hipólito, sócio da Growth Desenvolvimento de Pessoas e Organizações.
Para Sandra, quem sai para uma experiência dessas sempre vai voltar diferente e mais maduro. “Quem deixa uma empresa para abrir um negócio, por exemplo, vestirá a carapuça do dono. Se retornar ao mercado como empregado, terá outro olhar sobre a corporação”, diz.
Ampliar os horizontes geográficos e de autoconhecimento. Essa foi o intenção da consultora Carla Esteves, de 31 anos, quando decidiu dar um tempo de um ano na vida profissional para a realização de sonhos pessoais. “Comecei a carreira muito cedo, aos 15 anos, como menor aprendiz”, conta. “Sempre assumi responsabilidades antes de me sentir pronta. Isso foi incrível para acelerar meu desenvolvimento profissional, mas faltava algo. Quando gostamos do que fazemos, acabamos nos esquecendo de equilibrar o trabalho com desejos fora dele”, ressalta.
Os pilares do sucesso de sua empreitada, diz, foram planejamento e propósito claro. Entre a decisão e a saída efetiva, foram 12 meses. “Comuniquei a empresa a tempo de que pudessem preparar uma pessoa para assumir o meu cargo, na época o de diretora de uma unidade de negócios”, explica. Ela disse à empresa que gostaria de ter uma licença não remunerada de um ano, mas não conseguiu garantias de que isso seria possível. “Ainda assim, pela minha trajetória e desempenho, deixaram as portas abertas para que conversássemos quando eu voltasse em busca de uma recolocação no grupo”, conta.
Sem uma “certeza absoluta” de qual oportunidade de carreira a esperaria ao retornar, Carla partiu para uma jornada de imersão no estudo do inglês e no conhecimento de outras culturas. Precisou também se planejar financeiramente, pois ficaria um ano sem remuneração.
Os seis primeiros meses foram despendidos em cursos na Universidade de Cambridge, no Reino Unido – um de inglês e outro de extensão em negócios. “Nos outros seis, viajei por vários países da Europa, pelos Estados Unidos e pelo México. Queria aprender sobre esses lugares não como turista, mas como moradora. Conheci pessoas de várias nacionalidades, inclusive que trabalham na minha área, e ampliei meu network”, afirma.
O ganho mais intangível, segundo a executiva, foi a certeza de que vinha trilhando o caminho certo na carreira – e que, além de continuar gerenciando pessoas e lidando com clientes, queria se tornar sócia da consultoria em que trabalhava. “Quando voltei, expus minha vontade para os acionistas, e meu desejo convergiu com o que eles vinham pensando. Viram verdade nos meus propósitos e ficaram tranquilos para me fazer o convite para integrar a sociedade”, diz.
Hoje, além de sócia do grupo DMRH, ela é diretora de um de seus braços, a Cia de Talentos. Esse intervalo na carreira de Carla teve um timing adequado, na avaliação de Sandra. “Uma coisa é fazer essa parada quando se é analista ou no começo de um cargo de gerência, outra quando se é um super executivo com um network consolidado.”
Embora tenha havido até um ganho de posição na retomada, essa não costuma ser a regra nesse tipo de movimento. “O executivo precisa estar preparado para uma queda de nível”, pondera Brandão, da FGV-Eaesp. “Ele estará regredindo alguns passos para poder reconquistar espaço e mostrar serviço novamente.”
Para Irene, da LHH/DBM, o profissional tem de ter humildade e estar disposto a dar um passo para trás com o objetivo de dar dez para a frente depois. “Quem retoma a carreira precisa de tempo para se ambientar novamente, mesmo que isso aconteça em outra posição”, afirma.
Na opinião de Sandra, contudo, as empresas brasileiras ultimamente têm dado mais abertura para a prática do sabático e compreendem melhor um “intervalo” no currículo do profissional. “Nosso mercado já entende que as pessoas estão no limite da pressão”, diz. Em termos de empregabilidade, no entanto, é melhor garantir que o tempo empreendido em uma pausa dessa natureza seja bem aproveitado – e nunca perdido.
Fonte: Valor Econômico