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O sistema de saúde dá sinais de esgotamento. […] Precisamos aprender a compartilhar recursos
Osvino Souza*
A minha unidade hospitalar é bem gerida, com um quadro de funcionários enxuto e com excelentes níveis de performance. Mesmo assim, as margens da nossa operação continuam pequenas e cada vez menores. No futuro, ainda haverá espaço para pequenos negócios no setor de saúde, restritos a um único estado e com um ganho de escala consequentemente limitado?  (Olavo Buarque – SP – São Paulo)
Uma pena que ainda não inventaram um aplicativo para celular que faça previsões do futuro a partir de algumas informações do passado, do presente e de algumas tendências. Não creio que isso vá acontecer, tão cedo. O fato é que muitos “negócios” tradicionais estão sentindo as ameaças crescentes provocadas pelas profundas mudanças e transformações que vêm nos surpreendendo nos últimos anos ou décadas. O que observei durante muitos anos é que não adianta resistir a esses avanços, particularmente aqueles de origem tecnológica. Muitos “negócios” não sobreviveram seja porque as transformações os deixaram para trás e os fizeram sem sentido, seja porque não souberam reagir e antecipar mudanças que já se faziam necessárias. Isso nos remete à velha conhecida e prática Análise SWOT, entre outras ferramentas de gestão como a Análise de Cenários. Os gestores contemporâneos não podem deixar de identificar e agir prontamente sobre as Oportunidades e Ameaças que vêm de onde menos se espera às vezes. O “radar” da gestão tem que se mover em toda a amplitude e com a maior velocidade possível. Apenas como exemplo, o negócio dos táxis tradicionais, que até pouco tempo não se via ameaçado, hoje se vê ameaçado por várias frentes, dos aplicativos para celular, Uber, carona solidária, além de uma potencial mudança nos meios de transportes coletivos e individuais. Assim, os gestores dos negócios da saúde também devem estar atentos. Você inicia sua pergunta afirmando que sua unidade hospitalar é bem gerida, com um quadro de pessoal enxuto e excelentes níveis de performance. Que bom! Mas fique atento para as oportunidades e ameaças que não podem surpreendê-lo. Dentro do possível, antecipe-as, identifique-as antes que os concorrentes o façam. Aja a tempo. O dito, que se popularizou, “fazer sempre mais com menos”. não é mais suficiente. Muitas vezes é preciso fazer diferente também, o que pode exigir mudanças dolorosas naquilo que idealizamos.
 
O senhor acredita que a economia compartilhada pode se adequar às particularidades do mercado de saúde? (Henrique Kruchevsky – SC – Santa Catarina)
Sem dúvida, acredito. Os recursos são finitos, desde o microambiente ao macroambiente em que vivemos precisamos entender o que isso significa diante do ritmo de consumo acelerado em que vivemos. No século passado, em particular, iniciamos um processo de desenvolvimento acelerado que não levou isso em consideração. Precisamos reverter esta tendência o quanto antes, antes que seja tarde demais. Um filósofo alemão contemporâneo, Hans Jonas, trata disso com muita propriedade em muitas de suas obras, particularmente no livro “O Princípio Responsabilidade: ensaio para uma ética da civilização tecnológica”. Embora polêmico, ele trata esse assunto como uma nova abordagem ética, que vai além do respeito moral entre os seres humanos, mas também com o meio ambiente em que vivemos. Os filmes de ficção científica, que muitas vezes antecipam certas questões do futuro, já vêm tratando de temas como a busca de outros planetas para garantir a sobrevivência de nossa espécie. Você pergunta se a economia compartilhada pode ser aplicada às particularidades do mercado da saúde. Veja! Os custos da saúde estão crescentes já há algum tempo e tendem a ser cada vez maiores, particularmente devido a evolução tecnológica. Acredito que estamos muito próximos do esgotamento desse modelo. A tecnologia aplicada à saúde deve e precisa continuar se desenvolvendo até que, quem sabe um dia, encontremos os recursos para diagnosticar e tratar de todas as doenças humanas. Os sistemas de saúde brasileiros, tanto o público, quanto o privado, já dão fortes sinais de esgotamento. E não é só em nosso país, todos sabemos. Alguns estão em melhores condições, outros em situação muito pior. Veja as últimas notícias sobre o serviço de saúde britânico (NHS), que já foi considerado por alguns como modelo. Sendo assim, precisamos aprender a compartilhar recursos, não apenas os financeiros, mas os tecnológicos, os humanos, o conhecimento, etc.. A coopetição (cooperação com competição) torna-se cada dia mais necessária, senão indispensável para nossa sobrevivência.
 
Com a crise, o olhar na gestão tende a ser mais focado. Os hospitais podem sair fortalecidos com o atual momento econômico? (Afonso Silva – RS – Rio Grande do Sul)
Sem dúvida temos ouvido sistematicamente que uma das soluções para a crise que vivemos na saúde é a melhoria da gestão. É preciso ressaltar que o sistema de saúde é muito complexo e que os hospitais são um dos importantes elementos desse sistema. Em outras palavras, os hospitais estão sujeitos a fatores endógenos e exógenos do sistema de saúde e, evidentemente, não têm autonomia suficiente para atuar sobre todos os outros elementos e ajustá-los. Dessa forma, haverá sempre fatores que impedirão o desenvolvimento dos hospitais. Uma boa gestão pode cuidar disso, mas com limitações. Penso que é preciso que os hospitais, com toda a importância que têm, analisem que “novo” papel podem e devem desempenhar, visando primordialmente ser agentes da transformação do sistema para que este preste serviços de excelência, com qualidade e custo, acessíveis ao seu público-alvo. Desde que iniciei minha participação nesta sessão, defendo a opinião de que o cliente do sistema de saúde é o “paciente e agregados”. Como aconteceu com outras indústrias, quando essa visão passou a prevalecer os negócios melhoraram, mas a competição se estabeleceu, levando algumas empresas ao sucesso e outras ao fracasso. Houve um processo de seleção natural, se assim podemos chamar. Creio que o mesmo precisa acontecer com os hospitais. Os clientes dos hospitais, pelo menos aqueles que podem, têm poder aquisitivo para isso, já procuram selecionar onde irão fazer seu diagnóstico e/ou tratamento. Mas, como disse anteriormente, isso depende muito da complexidade do sistema, neste caso, por exemplo, do seguro saúde que ele adquiriu, do médico que lhe indicou onde se tratar. Além disso, vivemos os primórdios de uma era onde, acredito, vamos tratar mais da saúde do que da doença. Não a viverei infelizmente, mas esta é uma tendência muito clara e necessária. O atual momento econômico do pais e do mundo exige muita consciência e criatividade por parte dos dirigentes dos elementos do sistema, pois estamos diante do que parece ser o esgotamento de certos recursos.
 
*Osvino Souza é professor associado da Fundação Dom Cabral nas áreas de Comportamento e Desenvolvimento Organizacional.
 
Publicado na revista Diagnóstico n° 32.