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Uma decisão da Justiça do Trabalho pode servir de alerta para empresas que adotam o home office para alguns funcionários. Os juízes consideraram a queda de uma funcionária da Avon Cosméticos em Belém (PA) na escada de sua residência como acidente de trabalho. O tombo, ao sair para um trabalho externo, causou uma fratura em seu pé.

O caso foi levado ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Porém, os ministros não conheceram o recurso da companhia, mantendo decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Pará. Os desembargadores condenaram a Avon a pagar a uma promotora de vendas danos morais no valor de R$ 20 mil, por dispensá­-la doente e por não ter dado estabilidade de 12 meses após o acidente. Ainda terá que pagar um ano de salários em consequência da estabilidade.

A promotora se acidentou em setembro de 2007. Ficou afastada, recebendo auxílio doença, até janeiro do ano seguinte e, em fevereiro, foi demitida. Em março, por iniciativa própria, emitiu Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao INSS, que deferiu novo auxílio­-doença por causa da fratura. Logo após, entrou com ação na Justiça do Trabalho com a alegação de que não poderia ter sido dispensada por ter direito à estabilidade provisória de 12 meses, prevista no artigo 118 da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213, de 1991), devido ao acidente de trabalho. No processo, requereu ainda indenização por danos morais pelo fato do direito não ter sido reconhecido pela empregadora.

A Avon alegou no processo que se tratou de um acidente doméstico e que a revendedora estava apta ao trabalho quando foi demitida, não tendo direito à estabilidade ou indenização.

O pedido foi julgado improcedente na primeira instância e a promotora recorreu ao TRT. Ao analisar o caso, os desembargadores da 1ª Turma constataram que o trabalho dela era eminentemente externo porque a Avon sequer tinha escritório em Belém. Por isso, entenderam que a queda ocorrida em casa poderia ser considerada acidente de trabalho.

De acordo com os desembargadores, o artigo 19 da Lei da Previdência Social deixa claro que o acidente de trabalho é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho, independentemente do local em que é executado, e que cause, no mínimo, redução temporária da capacidade do trabalhador. “No caso, é perfeitamente possível reconhecer a casa como local do seu trabalho, haja vista que ali executava funções relacionadas com seu emprego”, diz a decisão.

“Entender o contrário estar­se­ia desprotegendo, por exemplo, aquele que trabalha no seu próprio domicílio, modalidade largamente adotada por várias empresas.” Ainda segundo a decisão, a companhia teria despedido a funcionária doente, sem condições de trabalhar “tanto que o INSS, depois da despedida concedeu o auxílio­doença acidentário”. Por este motivo e por não ter concedido a estabilidade de 12 meses, os desembargadores foram unânimes ao dar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil.

No recurso ao TST, a empresa pediu apenas a redução da condenação. Por maioria, os ministros não conheceram o recurso. O relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, votou pelo provimento, para reduzi­-la para R$ 10 mil. A ministra Delaíde Miranda Arantes, contudo, entendeu que os R$ 20 mil arbitrados pelo TRT observaram os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, levando­-se em consideração que envolvia uma multinacional de grande porte. Ela foi seguida pelo ministro José Roberto Freire Pimenta.

Em entrevista ao Valor, a ministra Delaíde Miranda Arantes afirmou que a Justiça deve estar atenta às novas formas de trabalho. “A jurisprudência tem que ser dinâmica para alcançar essas novas realidades”, disse. Segundo a magistrada, tem crescido o número de empresas que utilizam o trabalho em domicílio e esse empregado tem que estar protegido como qualquer outro.

No caso da Avon, acrescentou, ficou claro na decisão de segunda instância que a residência da empregada era seu local de trabalho e que não cabe ao TST rever provas.

Para o advogado da funcionária, Armando Ferreira Rodrigues Filho, do Rodrigues e Lobato Advogados Associados, apesar de ser atípico, acidentes ocorridos dentro de residência podem ser considerados acidentes de trabalho. De acordo com ele, o artigo 19 da Lei de Benefícios da Previdência Social é claro ao afirmar que o acidente ocorre pelo exercício do trabalho independentemente do local que é executado. “Trata­-se de um precedente de envergadura, pela singularidade do tema”, afirmou. Segundo a advogada Juliana Bracks Duarte, do Bracks Advogados Associados, a decisão está em conformidade com o que prevê a lei. O problema, diz, é produzir prova de que o funcionário estava em horário de trabalho, e não em funções domésticas. Por isso, Juliana recomenda que as companhias que possuem funcionários em home office regulamentem bem o horário de trabalho e o controle de jornada para que não existam dúvidas se o que ocorreu foi ou não um acidente de trabalho.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Avon informou por nota que “trata­-se de uma ação isolada, ainda sujeita a recurso, de acordo com os termos na qual foi proferida”.

Fonte: Jornal Valor Econômico. Por Adriana Aguiar (27/04/2015).