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Médicos alertam sobre cuidados com as dores crônicas, que podem levar à depressão

“Nunca podemos minimizar a dor do paciente. Se ele diz que está sentindo uma dor intolerável, é porque ela é intolerável para ele” Carlos Telles Neurocirurgião “Quando a dor é muito intensa, ou muito duradoura, produz uma adaptação do sistema nervoso central que faz com que ele fique cada vez mais sensível” Luiz Fernando de Oliveira Anestesiologista “Qualquer dor deixa a gente infeliz. A dor é sempre uma experiência subjetiva e gera um estresse não só físico, mas emocional” Claudio Domênico Cardiologista

Realidade para cerca de 30% da população do planeta, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), as chamadas dores crônicas — diagnosticadas quando a sensação de incômodo (ou de sofrimento) já persiste por pelo menos de três a seis meses — são, muitas vezes, negligenciadas por médicos, familiares e até pacientes, que demoram para procurar ajuda. Capaz de privar os indivíduos de atividades simples do cotidiano, levando, em alguns casos, a quadros de depressão, o problema atinge cerca de 60 milhões de brasileiros, mas ainda não é visto por todas as pessoas como uma doença, o que prejudica o tratamento de maneira adequada.

Ao longo de 2015, segundo o governo federal, profissionais das unidades públicas de saúde em todo o país realizaram 22,2 milhões de atendimentos referentes a problemas como dor persistente nas costas, na cabeça, nas articulações ou em diversas outras partes do corpo. No total, foram 5.858 internações motivadas por algo desse tipo. Neste ano, o número de internações com esse motivo já chegava a 2.298 ao fim do mês de maio. ‘A DOR DEIXA A GENTE INFELIZ’ As dores crônicas foram o tema da última edição dos Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, na Casa do Saber O GLOBO. O evento reuniu o anestesiologista Luiz Fernando de Oliveira e o neurocirurgião Carlos Telles, que são especialistas nesse assunto, com mediação do jornalista do GLOBO William Helal Filho e coordenação do cardiologista Claudio Domênico.

— Esse é um assunto que perpassa várias especialidades na medicina. Qualquer dor deixa a gente infeliz. A dor é sempre um experiência subjetiva e gera um estresse não só físico, mas emocional. É muito comum um doente que tem dor crônica ter associada uma depressão — analisa o cardiologista Claudio Domênico. — Começa com um problema físico, uma dor lombar, por exemplo. Depois entram fatores psicológicos, ansiedade e depressão, e então fatores sociais, a pessoa passa a se isolar.

Ao contrário da dor aguda, que geralmente é uma resposta imediata do organismo quando há algo errado, a dor crônica é de longa duração e tem impacto em diversos aspectos da vida do paciente. O problema pode ser ocasionado por lesões persistentes que acabam produzindo estresse no sistema nervoso, que, com o tempo, torna-se mais sensível à dor.

— Se você for exposto a uma luz muito forte, ficará temporariamente ofuscado. Normalmente, quando você é exposto a um estímulo muito intenso, a sensibilidade se reduz. É uma defesa do organismo. Com a dor, é o contrário. Quando é muito intensa, ou muito duradoura, produz uma adaptação do sistema nervoso central que faz com que ele fique cada vez mais sensível. Então, a sensação de dor pode aumentar ao longo do tempo simplesmente porque o sistema nervoso central está ficando mais sensível à lesão inicial — explica o anestesiologista Luiz Fernando de Oliveira, professor da Uerj e da UFRJ. — A angústia e a depressão, que podem ser causadas pela dor, aumentam muito a sensibilidade do sistema nervoso central. Então, muitas vezes, para controlar a dor do doente é preciso atacar esse problema.

‘CHEGUEI A PERDER VONTADE DE VIVER’

Há 18 anos a médica Cláudia Fonseca tenta se livrar de uma dor lancinante na face. Diagnosticada em 1998 com neuralgia do trigêmeo, uma doença na qual uma artéria ou um tumor comprimem o nervo da face, Cláudia viu tarefas corriqueiras se tornarem uma tortura.

— Quando a dor vinha era insuportável. Certos movimentos eram como um choque por todos os dentes. Movimentos como falar, comer e beijar causavam muita dor. Tenho resistência grande, tive dois filhos sem anestesia no parto normal, mas nada se compara a essa dor. Eu gosto muito da minha vida, mas cheguei a perder a vontade de viver — conta a médica, que melhorou após uma cirurgia, em 2008, mas terá que se submeter ao procedimento novamente: — Levantei minha cabeça um dia e senti a fisgada. Na hora, pensei: estou tendo um pesadelo.

No começo, até conseguir o diagnóstico, Cláudia passou por diversos profissionais de saúde, de inúmeras especialidades:

— No início achei que fosse algum problema dentário, então procurei o dentista e ele me disse que não tinha nada. A dor foi piorando, então fui ao neurologista, ao especialista em articulação mandibular até conseguir diagnosticar, dez anos depois.

Além da neuralgia do trigêmeo, são comuns entre as dores crônicas as dores de cabeça, as lombares e cervicais, e dores ligadas a vários tipos de câncer.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no mês passado, mostram que 18,5% da população do país com mais de 18 anos sofrem com dor crônica na região das costas. O percentual corresponde a 27 milhões de pessoas. A incidência da dor nessa parte do corpo é maior entre a população ocupada (16,3%) e, consequentemente, o problema é um dos principais motivos de ausência no trabalho.

No mundo, cerca de 1,5 bilhão de pessoas sofrem com dor crônica, segundo a OMS. Estima-se que, nos Estados Unidos, onde cerca de cem milhões de pessoas têm o problema, as dores crônicas acarretem a perda de 550 milhões de dias de trabalho por ano. Mas, embora os números sejam alarmantes, especialistas revelam que muitas vezes a dor é negligenciada por médicos e familiares.

— Uma dor pode significar coisas diferentes para cada paciente. Nunca podemos minimizar a dor do paciente. Se ele diz que está sentindo uma dor intolerável, é porque ela é intolerável para ele. Fico revoltado quando o paciente conta que o médico dele disse que “a radiografia está normal, essa dor não pode ser tão forte”. Não existe isso. A dor é um fenômeno individual — diz o neurocirurgião Carlos Telles, fundador da Clínica da Dor, na Uerj.

Para resolver a questão, os médicos orientam que o tratamento deve começar da forma mais simples. Somente depois de esgotadas todas as possibilidades iniciais deve-se recorrer a procedimentos mais complexos, como infiltrações e cirurgias. As opções mais simples e comuns para tratar a dor crônica são, em geral, fisioterapia e uso de medicamentos (analgésicos, relaxantes musculares e antiinflamatórios). Os especialistas alertam, no entanto, para os riscos do uso indiscriminado de remédios sem orientação médica. Segundo eles, muitos medicamentos podem apenas aliviar a dor, sem atuar sobre a origem do problema. Além disso, algumas drogas causam dependência e conduzem a quadros de depressão respiratória.

— Quem é dependente de remédios opioides para dor tem probabilidade 40 vezes maior de se tornar viciado do que usuários de álcool, maconha e cocaína — disse o cardiologista Claudio Domênico.

Fonte: O Globo