Sindhosba

No dia a dia dos litígios trabalhistas, são comuns condenações não serem pagas e as execuções serem direcionadas para os sócios da empresa reclamada, surgindo duas questões polêmicas, que tendem a ser pacificadas com a reforma trabalhista: o procedimento para desconsideração da personalidade jurídica (inclusão dos sócios na ação) e o limite temporal de responsabilidade do sócio retirante (aqueles que não fazem mais parte do quadro societário).

Atualmente, diante da omissão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), juízes trabalhistas decidem a desconsideração da personalidade jurídica aplicando ou o artigo 28, parágrafo 5º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ou o artigo 50 do Código Civil (CC), com ou sem a instauração do incidente de desconsideração previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC).

Em outras palavras, segundo a Teoria Menor da Desconsideração (artigo 28 do CDC), para responsabilizar o sócio, basta ao credor trabalhista demonstrar a insolvência da empresa reclamada ou que a personalidade da sociedade está de alguma forma impedindo o justo ressarcimento. Já para a Teoria Maior da Desconsideração (artigo 50 do CC), a inclusão do sócio depende da prova de fraude, de “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”. Em ambas há divergência acerca da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tendo autorizado sua aplicação (artigo 6º da Instrução Normativa nº 39/2016).

Ou seja, além da divergência de motivos para a inclusão do sócio (pressupostos do CDC ou do CC? Teoria Menor ou Teoria Maior?), há discordância sobre o momento em que a responsabilização dos sócios deve ocorrer – diretamente, sem prévia citação dos sócios, ou com a prévia citação e a depender do acolhimento do pedido?

Na esteira da orientação do TST, a reforma trabalhista consagrou a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao introduzir o artigo 855-A: “Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil”.

Já o embasamento material para a desconsideração continuará a critério do julgador (CDC ou CC?), porém, a análise do caso não se baseará apenas na constatação do estado de insolvência ou de obstáculo ao recebimento. Devem entrar em discussão “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”, previstos no caput do artigo 28.

Estando superados pressupostos e forma da desconsideração da personalidade jurídica, temos outra questão: o limite temporal de responsabilidade do sócio retirante.

Em busca de seus créditos trabalhistas, reclamantes indicam para os juízes não apenas os sócios da empresa reclamada, mas também ex-sócios da época do contrato de trabalho, mas que se retiraram da sociedade.

Parte da jurisprudência aceita a inclusão do sócio retirante, independentemente da data de saída da sociedade, desde que tenha sido sócio na época da relação de emprego. O fundamento aqui é o de que aquele que se beneficiou da mão de obra do empregado é responsável, por prazo indeterminado, pelo pagamento dos direitos trabalhistas sonegados e não prescritos.

Já os defensores da responsabilização do sócio retirante por prazo determinado o fazem com base nos artigos 1003 e 1032 do CC, que limitam a responsabilidade em até dois anos após averbada a modificação do contrato social.

A reforma trabalhista encerrou também essa divergência, ao aplicar esses artigos do CC no direito do trabalho e introduzir na CLT o artigo 10-A: “O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes”.

Esse novo artigo da CLT não apenas limitou em até dois anos a responsabilidade do sócio retirante, como o colocou como responsável subsidiário – diferentemente do que ocorre no CC, em que essa responsabilidade é solidária -, obrigando o reclamante a primeiro buscar seu crédito junto à empresa devedora e aos sócios atuais, para só depois voltar-se contra o sócio retirante.

Ao introduzir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na CLT e delimitar na mesma a responsabilidade do sócio retirante, a reforma trabalhista trará importantes procedimentos e conceitos claros acerca do tema. Mas principalmente gerará mais segurança jurídica, na medida em que os sócios atuais não serão surpreendidos com ações trabalhistas antes de exercerem seu direito de defesa, e os sócios retirantes saberão exatamente os limites de suas responsabilidades para com a sociedade.

(*) Leonardo Francisco Ruivo é advogado e sócio fundador do BGR Advogados.

Fonte: Valor Econômico, por Leonardo Ruivo (*), 26.10.2017