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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) divulgou, no início da sessão de ontem, o texto preliminar de um guia para a elaboração de programas de compliance concorrencial. A principal vantagem da sua adoção, segundo especialistas, é possibilitar substancial redução da multa administrativa que pode ser aplicada às empresas e, em alguns casos, imunidade na esfera criminal para sócios e diretores. Em caso de cartel, por exemplo, a multa vai até 20% do faturamento da companhia no ramo de atividade envolvido.

A versão preliminar do guia está disponível no site do Cade para que a sociedade possa fazer sugestões de inclusões ou alterações por meio do e-mail guiadecompliance@cade.gov.br até 18 de outubro. O Cade também realizará encontros para debater o tema com advogados, empresários e acadêmicos.

O compliance é um conjunto de regras criadas e disseminadas por empresas para evitar condutas, dos seus funcionários ou fornecedores, que possam caracterizar infração legal ou crime. O mecanismo ficou mais popular em razão da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), que passou a impor multa, que vai de 0,1% a 20% do faturamento bruto do ano anterior, às empresas envolvidas em corrupção na relação com o poder público. E, de acordo com alguns critérios, um programa de compliance pode garantir a redução de multa.

O compliance concorrencial reúne orientações para evitar que empresas elaborem acordos entre si que resultem na combinação de preços ou prejudiquem concorrentes de forma abusiva. E ainda para orientar o funcionário sobre como fazer compras sem riscos, o que não mencionar com concorrentes e como o dirigente deve agir em uma reunião de entidade de classe etc.

Pode parecer óbvio, mas não é. Segundo o advogado José Del Chiaro, da banca especializada em defesa da concorrência Advocacia Del Chiaro, existe a cultura, por exemplo, de dirigentes se reunirem em associação de classe e conversarem, por exemplo, sobre o máximo de desconto concedido no mercado. “Se isso acontecer, ele deve pedir para deixar registrado na ata da reunião que retira-se da sala”, diz.

Na esfera concorrencial, as penas também são duras para as companhias. “Em casos de cartel, em geral, o Cade tem aplicado multa de 15%, mas na reincidência esses valores são dobrados”, afirma Del Chiaro.

Com base no guia, o advogado diz que a existência de um compliance concorrencial efetivo será um forte indício ao Cade de que o propósito da empresa é negociar um Termo de Cessação de Conduta (TCC). Esse termo impõe algumas medidas às empresas. Enquanto vigora o TCC, o processo administrativo fica suspenso. Ao fim dos prazos estabelecidos no termo, se cumprido o que foi acordado, denúncias contra as empresas são arquivadas.

“Enviamos o guia para todos os clientes e pedimos para que se manifestem a respeito. Já temos clientes bem evoluídos inclusive com mecanismos como denúncia anônima, controle de envio e recebimento de e-mails, entre outros, e agora só mantêm o treinamento e atualização dessas regras”, afirma Del Chiaro.

Os advogados Giovanni Paolo Falcetta e Marcio de Carvalho Silveira Bueno, sócios de TozziniFreire Advogados nas áreas de Compliance e Antitruste, respectivamente, destacam que, pelo texto atual, o compliance concorrencial será levado em consideração na forma de reconhecimento da boa-fé da empresa e dosimetria da pena. “Na Comissão Europeia não há nenhum benefício similar. Mas sabemos que na vida real pode se ter tomado todos os cuidados razoáveis e, ainda assim, pessoas podem ter cometido algum ilícito, de boa ou má-fe”, afirmam.

Para Falcetta e Bueno, o guia também será relevante no combate à corrupção: “Os casos do Metrô paulista e Lava-Jato mostram que há muita interligação entre o compliance anticorrupção e o concorrencial.” Eles afirmam que a ideia principal do compliance é prevenir, mas ele também pode ajudar em um acordo de leniência, por exemplo. “É possível até obter a imunidade total, tanto para empresas quanto para funcionários, com reflexo na esfera administrativa e na penal.”

Apesar de não haver indicação do percentual de redução de pena, expressar essa possibilidade é muito relevante, segundo a advogada Ana Paula Martinez, do escritório Levy & Salomão Advogados. “Outros destaques do guia são a indicação de que pequenas e médias empresas também devem adotar programas de compliance, e que programas de ‘fachada’ serão desconsiderados”, afirma.

Fonte: Jornal Valor Econômico