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O princípio da autonomia da vontade das partes presente no novo Código de Processo Civil (CPC), em vigor a partir de 2016, inovará a prática contratual com a possibilidade de definição no próprio contrato da forma de condução da ação judicial em caso de disputa futura por meio dos negócios processuais para tornar o processo civil brasileiro mais rápido e descomplicado. Entretanto, grande desafio será prever como os referidos negócios processuais serão interpretados pelo Judiciário para garantir a celeridade do processo.

Os chamados negócios processuais do novo CPC permitem às partes eleger contratualmente e de antemão algumas mudanças no procedimento da ação judicial eventualmente decorrente do próprio contrato. As mudanças referidas acima abarcam ônus, poderes, faculdades e deveres processuais tais como: acordos detalhados no contrato sobre a forma de divisão das despesas processuais, a ampliação de prazos processuais para ambas as partes, extinção de efeito suspensivo de recursos em alguns casos, bem como outras formas de convencionar sem ferir os direitos de quaisquer das partes litigantes que admitam a autocomposição.

Entretanto, há dúvidas sobre o que poderia ser convencionado entre as partes como negócios processuais. O novo CPC não categorizou as mudanças admitidas e dispôs que o juiz controlará a validade destas convenções das partes quanto ao procedimento da ação. Ficou estabelecido apenas que se a cláusula contratual que verse sobre as mudanças do procedimento da ação for considerada abusiva em contratos de adesão, ou em contratos que uma das partes se encontre em posição de vulnerabilidade perante à outra, ela será recusada pelo Judiciário.

A consolidação do princípio da autonomia da vontade das partes no novo CPC demandará a revisão dos contratos

O que será, por exemplo, interpretado como posição de vulnerabilidade pelo Judiciário? Atualmente vivenciamos um período de reestruturação de dívidas, marcado pelo alongamento de prazos de vencimentos e reforço de garantias em empréstimos e financiamentos quando a situação de crédito do devedor já demonstra sinais de deterioração.

As cláusulas que alteram o rito processual destes contratos de refinanciamento de dívidas, por exemplo, poderiam ser recusadas pelo Judiciário devido à vulnerabilidade da situação financeira do devedor? Poderiam ser recusadas justamente num momento de elevada probabilidade de interposição de ação judicial em virtude de contrato inadimplido e necessidade de julgamento rápido para efetiva recuperação do crédito?

Outro desafio é prever o que será julgada cláusula de eleição de foro abusiva. Nos termos do novo CPC, a cláusula de eleição de foro, se considerada abusiva, poderá ser declarada ineficaz pelo juízo determinado contratualmente pelas partes, o que levará a causa para ser decidida pelo juiz do foro do domicílio do réu no início do processo.

O Código de Processo Civil atualmente vigente já permite a eleição contratual do foro e há precedentes jurisprudenciais atuais que determinam a nulidade da cláusula abusiva de eleição de foro e remessa do processo para o foro do domicílio do réu em contrato de adesão, quando uma das partes é reconhecida hipossuficiente sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, o novo CPC não fez qualquer qualificação sobre o que será considerado abusivo para declaração de ineficácia da cláusula de eleição de foro e declinação da competência do juízo escolhido pelas partes.

Por outro lado, o novo CPC pacificou o entendimento quanto à cláusula de eleição de foro estrangeiro exclusivo em contratos internacionais. Esta cláusula é de suma importância para o comércio internacional (exportações e importações) e para operações de financiamento e empréstimo externos, quando uma das partes se encontra fora do Brasil (operações cross border). Para fazer negócios ou investir no Brasil, compradores e/ou vendedores de mercadorias ou credores estrangeiros precisam de segurança jurídica. Se houver controvérsia, a disputa contratual será dirimida na jurisdição de escolha das partes, mesmo que seja uma jurisdição estrangeira.

Até então, no Brasil, não havia lei que objetivamente determinasse que a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro seria respeitada pela autoridade judiciária brasileira, o que deixava margem para decisões jurisprudenciais conflitantes. E o novo CPC trouxe expressamente no seu artigo 25 que não compete à autoridade judiciária brasileira o julgamento da ação quando as partes elegeram exclusivamente o foro estrangeiro para resolução de disputas contratuais, prevalecendo mais uma vez o princípio da autonomia da vontade das partes.

Certamente a consolidação do princípio da autonomia da vontade das partes no novo CPC demandará a revisão dos contratos para tornar a resolução de suas disputas mais célere. Mas será essencial que prevaleçam a boa-fé na elaboração das cláusulas de eleição de foro e de negócios processuais, bem como a razoabilidade e proporcionalidade nas interpretações do Judiciário para o novo CPC atingir seu objetivo de prover maior agilidade ao processo civil brasileiro. A cuidadosa revisão dos contratos e o acompanhamento da jurisprudência sobre a aplicação do novo CPC serão essenciais para as negociações comerciais a partir do próximo ano.

Juliana Galante é sócia do Reis & Sampaio Advogados especialista em direito contratual e financeiro

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Por Juliana Galante
Fonte : Valor