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  “Não há razões técnicas que justifiquem a alteração do índice“Não há razões técnicas que justifiquem a alteração do índice”, afirma Rodrigo Aguiar

 

Apesar da recente decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, de suspender liminarmente a regra que fixa em até 40% o pagamento de exames e consultas em planos de saúde de coparticipação, o diretor de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Rodrigo Aguiar, continuou a defender, em entrevista exclusiva à Agência Brasil por e-mail, a manutenção do índice. “Não há razões técnicas que justifiquem a alteração do índice. A ANS está segura quanto à adequação do percentual definido”, disse.

Aguiar disse que a competência da agência para editar a Resolução Normativa nº 433, que trata do assunto, foi balizada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que analisou previamente a proposta. O diretor comentou ainda sobre recente polêmica envolvendo o papel da ANS: a função de agências reguladoras, segundo ele, é promover o equilíbrio do setor, sem atuar em prol de um único público.

O diretor da ANS classificou ainda como “totalmente equivocada” a afirmação de que houve “expansão de maneira irresponsável” dos limites de coparticipação. Segundo ele, tais mecanismos existem há mais de 20 anos sem qualquer limite imposto às operadoras. “Hoje, são aplicados percentuais de 50%, 60%, 70%. A norma determinou um teto de 40%”. Ele também negou que a ANS tenha, nos últimos anos, recomendado que esse índice ficasse em 30%.

Apesar de continuar defendendo o teto de 40%, Rodrigo Aguiar reconheceu que “se o Judiciário e Legislativo (…) proferirem decisão determinando a alteração de tal percentual, a ANS o fará prontamente”.

As críticas não procedem. O processo para normatização da coparticipação e franquia seguiu integralmente o rito para participação dos mais diversos públicos de interesse

Rodrigo Aguiar, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS

Em sua decisão, a ministra Cármen Lúcia diz que a ANS não tem “a devida competência” para regulamentar mecanismos de regulação financeira e que o assunto deveria passar pelo Congresso, já que envolve o direito à saúde. Na avaliação do senhor, a agência extrapolou sua competência ao editar a matéria?

A avaliação quanto à legalidade e/ou competência da ANS para editar determinada norma é realizada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que, como faz em todos os normativos editados pela ANS, analisou previamente, em três oportunidades, a proposta de norma que culminou com a publicação da RN n° 433/18 e não identificou qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na atuação da agência reguladora.

O instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) classificou a Resolução Normativa nº 433 como “retrocesso” e acusou a ANS de expandir “de maneira irresponsável” os limites de coparticipação em planos. A agência esperava tamanha reação por parte da sociedade e do próprio Judiciário?

As críticas não procedem. O processo para normatização da coparticipação e franquia seguiu integralmente o rito para participação dos mais diversos públicos de interesse, com várias oportunidades diferentes (grupo de trabalho, câmara técnica, audiência pública, consulta pública e pesquisa para tomada de subsídios) para que o setor, representantes da sociedade civil e a população em geral, registrassem sugestões e críticas antes da definição da norma. Esta foi, inclusive, uma das normas editadas pela ANS que mais teve discussões com a participação de representantes da sociedade.

Os representantes de entidades de defesa do consumidor sugeriram cerca de 140 contribuições à normativa, das quais 74 foram totalmente ou parcialmente acatadas pela ANS. Somente o Idec teve 15 propostas totalmente ou parcialmente atendidas pela reguladora durante o processo. Em números gerais, a consulta pública sobre o tema recebeu 1.177 contribuições da sociedade e a pesquisa pública contou com 645 contribuições.

É totalmente equivocada a afirmação sobre “expansão de maneira irresponsável” dos limites de coparticipação. Tais mecanismos existem há mais de 20 anos sem qualquer limite imposto às operadoras. Hoje, são aplicados percentuais de 50%, 60%, 70%. A norma determinou um teto de 40%. Além disso, definiu limites – mensal e anual – para a cobrança pelas operadoras, protegendo efetivamente o orçamento dos consumidores, impedindo que estes sejam surpreendidos com cobranças excessivas. Ressalta-se que atualmente, na vigência da Consu n° 8 de 1998, não há qualquer limite estabelecido, de modo que as operadoras têm total liberdade para aplicar os valores e percentuais que lhe sejam convenientes nos contratos com os consumidores.

Ademais, merece destaque a previsão contida na RN n° 433/18, através da qual a ANS determinou ainda isenção de cobrança para mais de 250 procedimentos, entre eles quimioterapia, radioterapia e hemodiálise.

Ou seja, a partir destas informações, fica claro que as únicas novidades criadas pela ANS a partir da edição da RN n° 433/18 foram para proteger e defender o consumidor, conferindo-lhes previsibilidade e segurança.

Antes da resolução, não havia definição de um percentual máximo para coparticipação em cada atendimento, mas a ANS orientava as operadoras a não praticarem valores superiores a 30%. Por que ampliar o índice para até 40% agora?

É preciso esclarecer que nunca houve nenhuma norma da ANS estipulando o limite de cobrança em 30% ou em qualquer outro percentual. Também não é verdade que a ANS orientava as operadoras a manter a prática dos valores em 30%. Vários documentos preparatórios e preliminares foram construídos pela ANS ao longo do tempo no intuito de definir o percentual máximo a ser determinado para a cobrança de coparticipação e nestes documentos foram sugeridos percentuais distintos a partir de critérios também distintos, partindo de 30% a 50% ou até mesmo defendendo a não estipulação de um percentual máximo, para que os casos fossem analisados conforme suas circunstâncias. Contudo, nenhum desses percentuais tinha sido definido oficialmente pela ANS até a edição da RN 433/18, a qual fixou o limite máximo em 40%.

Com o percentual estabelecido na RN nº 433, as operadoras passam a ter um limite de cobrança que antes nunca houve, protegendo o consumidor. O percentual estipulado, fundamentado em diversos estudos, leva em conta um valor capaz de estimular a utilização consciente e racional do plano, sem, contudo, resultar em um valor excessivo a ponto do beneficiário deixar de buscar o atendimento efetivamente necessário.

Esse limite máximo, aliado aos demais limites que reduzem os riscos aos beneficiários (limite de exposição financeira, isenção de cobrança em diversos procedimentos e concessão de bônus e descontos aos beneficiários como forma de incentivo aos bons hábitos de saúde e rotinas de prevenção), acaba por reduzir os impactos financeiros para o consumidor, que também passa a saber, de antemão, que o máximo que irá pagar – caso use o plano – será o mesmo valor da mensalidade.

Reafirmo que a definição do percentual de 40% para cobrança de coparticipação foi feito com base em estudos técnicos aprofundados

Rodrigo Aguiar, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS

Isso se fizer uma utilização muito intensa do plano de saúde naquele determinado mês. Caso sua utilização seja eventual, somente receberá a cobrança relativa à realização daquele determinado procedimento ou da utilização de determinado serviço, estando limitado, no caso da coparticipação, por percentual, a 40% do seu valor. Exemplo: se realizar uma consulta de R$ 70, pagará, no máximo, R$ 28.

Já a inclusão de mais de 250 procedimentos e eventos em saúde isentos de cobrança de coparticipação e franquia vão beneficiar, por exemplo, muitos pacientes crônicos e idosos, que não poderão ter cobrança em exames preventivos (mamografias, citologia oncótica e glicemia de jejum, por exemplo); para tratamentos como hemodiálise, quimioterapia e radioterapia; exames pré-natal e exames de triagem neonatal, além da realização de quatro consultas por ano com médico generalista.

É importante destacar que, nos produtos registrados na ANS e que estão disponíveis para comercialização, os planos com coparticipação e franquia são, em média, de 20 a 30% mais baratos do que planos sem coparticipação e franquia, havendo casos de reduções maiores, de 40%, por exemplo.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a chamar de “abusivo” o percentual de cobrança de até 40%, por parte de beneficiários, em casos de planos de saúde de coparticipação e franquia. Há possibilidade da ANS reverter o índice?

Reafirmo que a definição do percentual de 40% para cobrança de coparticipação (que deve ser sempre cumulado com o limite de exposição financeira mensal e anual do consumidor) foi feito com base em estudos técnicos aprofundados, bem como em análises da aplicação de coparticipação e franquia em sistemas de saúde de outros países, como exaustivamente demonstrado no relatório de análise de impacto regulatório disponível no site da ANS.

Assim, a ANS está segura quanto à adequação do percentual definido, de modo que não encontra razões técnicas para promover uma alteração já neste momento, em que a norma aprovada não está nem em vigor (por estar em período de vacância e por estar suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal).

Contudo, por total, absoluto e incontestável respeito e submissão aos Poderes Judiciário e Legislativo, bem como aos demais órgãos de controle de sua atuação regulatória, caso qualquer destes proferir decisão determinando a alteração de tal percentual, a ANS o fará prontamente, como não poderia deixar de ser.

Por fim, é relevante destacar que o percentual definido pela ANS é um percentual máximo. As operadoras poderão, como medida de concorrência no setor, comercializar produtos com percentuais mais baixos ou sem a adoção dos mecanismos, garantindo que as empresas ofertem diferentes produtos e atendam diferentes perfis e necessidades do consumidor, que terão seu poder de escolha ampliado.

As críticas não procedem. O processo para normatização da coparticipação e franquia seguiu integralmente o rito para participação dos mais diversos públicos de interesse

Rodrigo Aguiar, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS

A Lei nº 9.961/2000, que criou a ANS, diz que o órgão tem como finalidade institucional “promover a defesa do interesse público” na assistência suplementar à saúde. Recentemente, o senhor declarou que a agência não é um órgão de defesa do consumidor. Não parece uma contradição?

O que eu disse quando falei essa frase, que foi descontextualizada nas chamadas de imprensa, foi que o papel das agências reguladoras é promover o equilíbrio do setor. Não é atuar em prol de um público somente, mas de todos os atores que fazem parte dessa relação.

O consumidor é o elo mais vulnerável do mercado regulado, por isso deve ter seu atendimento devidamente respaldado e seus direitos protegidos. Essa é a função primordial da ANS e de qualquer outra agência reguladora. Mas, para atender esse fim, a reguladora precisa garantir que o setor esteja em equilíbrio, para que a prestação do serviço ao consumidor seja adequada e qualitativa.

Assim, esclareço que, dentro deste contexto, afirmei que a ANS não é um dos órgãos que compõem o sistema nacional de defesa do consumidor, mas mantém relação muito aproximada com este a fim de observar os interesses e direitos dos consumidores.

Fonte: A Tarde